CONSELHO
NACIONAL DE SAÚDE
Recomenda ações que visam a garantia do acesso à educação inclusiva
de
todas as pessoas, sem segregação,
e
medidas contrárias ao Decreto n° 10.502/2020.
O Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no
uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pelo Regimento
Interno do CNS e garantidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela
Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de
janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006; cumprindo as
disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da
legislação brasileira correlata; e
Considerando que a Constituição Federal de 1988, em
seu artigo 196 prevê que “A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação”;
Considerando que a Lei nº 8.080, de 19 de setembro
de 1990, disciplina, em seu Art. 3º, que “Os níveis de saúde expressam a
organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e
condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o
meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte,
o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”;
Considerando a Declaração de Emergência em Saúde
Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS),
em 30 de janeiro de 2020, em decorrência da Doença por Coronavírus – COVID-19
(decorrente do SARS-CoV-2, novo Coronavírus);
Considerando a Portaria nº 188, de 03 de fevereiro
de 2020, do Ministério da Saúde, que declara Emergência em Saúde Pública de
Importância Nacional (ESPIN), conforme Decreto nº 7.616, de 17 de novembro de 2011,
em decorrência da Doença por Coronavírus – COVID-19 (decorrente do SARSCoV-2,
novo Coronavírus);
Considerando as Recomendações do Conselho Nacional
de Saúde n° 19/2020 e 31/2020 que, por meio de sua Comissão Intersetorial de
Atenção à Saúde das Pessoas com Deficiência (CIASPD/CNS), recomenda medidas que
visam a garantia dos direitos e da proteção social de pessoas com deficiência e
seus familiares;
Considerando o disposto no Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990); Considerando a Declaração
Mundial de Educação (1990), assinada por 150 países, incluindo o Brasil, que
adotou como princípio básico o direito de toda pessoa à educação, bem como a
importância de satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem;
Considerando os artigos 3º e 6º, da Declaração
Mundial de Educação, que defendem a “universalização do acesso à educação e
promoção da equidade” e que “a escola deve proporcionar um ambiente adequado
para a aprendizagem e não o aluno que deve se adequar a ela”;
Considerando tratados internacionais aos quais o
Brasil é signatário, como a Declaração de Salamanca (1994), a Convenção da
Guatemala (1999) e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência (ONU, 2009), que abordam, respectivamente, que todas as pessoas tem
direito ao acesso à educação, sem distinção, com aprimoramento dos sistemas de
ensino para que se tornem ambientes inclusivos; com vistas a eliminar as
discriminações contra as pessoas com deficiência, extingue o termo “especial”
para diferenciações nas escolas baseadas nas deficiências; e, que para efetivar
o direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os
Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis,
bem como o aprendizado ao longo de toda a vida;
Considerando que até meados dos anos 2000, pessoas
com deficiência eram isoladas em suas casas, muitas eram encaminhadas a
hospitais psiquiátricos, ou estavam em escolas ditas “especiais”, e só podiam
ser matriculadas em turmas ditas “comuns” quando fossem consideradas “prontas”
a acompanharem seus colegas nas atividades em explícita postura de exclusão e
invisibilização pelo Estado, com graves e negativas repercussões para toda a sociedade
brasileira;
Considerando a Lei n° 10.436, de 24 de abril de
2002, que legitima a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como língua nacional
e língua materna de toda pessoa surda, regulamentada pelo Decreto n° 5.626, de
22 de dezembro de 2005; Considerando a Lei n° 12.764, de 27 de dezembro de
2012, que institui a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa com
Transtorno do Espectro Autista;
Considerando a Lei Brasileira da Inclusão - LBI (Lei
nº 13.146, de 06 de julho de 2015), em especial seu artigo 4° §1º, que define
“discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou
exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar,
impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades
fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações
razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas”;
Considerando o objetivo 3 dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável de assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar
para todos, em todas as idades e o objetivo 4 de assegurar a educação inclusiva
e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da
vida para todos, que em sua meta 4.3 traz como um dos indicadores a percentagem
de alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento matriculados
em classes comuns na rede regular de ensino;
Considerando o Comentário Geral n° 7 emitido pelo
ONU (2018) sobre as pessoas com deficiência, que sustenta sua participação em
todas as questões que dizem respeito a elas (“nada sobre nós sem nós”);
Considerando a Carta Convocação do Laboratório de
Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (LEPED-Unicamp), o posicionamento da
Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Rede-In), da Associação
Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas
com Deficiência e Idosos (AMPID), do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e
Nota Manifesto da Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais (ABRATO);
Considerando as diretrizes e moções aprovadas na 16ª
Conferência Nacional de Saúde (8ª + 8), publicadas por meio da Resolução CNS nº
617, de 23 de agosto de 2019;
Considerando que o Decreto n° 10.502, de 30 de setembro
de 2020, traz em seu escopo o risco de retrocessos na política de inclusão de
pessoas com deficiência nos espaços escolares regulares, por meio do estímulo à
criação de espaços segregados ditos "especializados", com a
justificativa de autonomia da família em decidir pelo serviço que teoricamente
melhor atenda à questão, desconsiderando que a Política Nacional de Educação
Especial requer apoio, investimento e intersetorialidade, principalmente da
União, e se refere ao direito fundamental do acesso à educação de pessoas com
deficiência; Considerando os debates ocorridos sobre essa matéria na Comissão
Intersetorial de Atenção à Saúde das Pessoas com Deficiência do Conselho
Nacional de Saúde (CIASPD/CNS);
e Considerando as atribuições conferidas ao
presidente do Conselho Nacional de Saúde pela Resolução CNS nº 407, de 12 de
setembro de 2008, Art. 13, Inciso VI, que lhe possibilita decidir, ad
referendum, acerca de assuntos emergenciais, quando houver impossibilidade de
consulta ao Plenário, submetendo o seu ato à deliberação do Pleno em reunião
subsequente.
Recomenda ad referendum do Pleno do Conselho
Nacional de Saúde: Ao Presidente da Câmara de Deputados: Que, nos limites de
suas competências legais e regimentais, coloque em regime de urgência a votação
dos Projetos de Decreto Legislativo - PDL 427/2020, 429/2020, 430/2020,
431/2020, 433/2020, 434/2020, 435/2020, 426/2020, para sustação da aplicação do
Decreto n° 10.502, de 30 de setembro de 2020.
Às Entidades e Movimentos Nacionais de Defesa dos
Direitos das Pessoas com Deficiência:
· Que,
pelas razões e legislações expostas nesta recomendação, ingressem com Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) em face do Decreto nº 10.502, de 30 de
setembro de 2020, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ao Supremo Tribunal
Federal (STF):
· Que
acolha a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 751, de
05 de outubro de 2020, com pedido de medida liminar, ajuizada pelo partido Rede
Sustentabilidade. Ao Ministério da Educação (MEC):
· Que
apoie tecnicamente e disponibilize recursos para infraestrutura e educação
permanente de profissionais no Distrito Federal, Estados e Municípios, assim
também das ações de monitoramento, acompanhamento e discussão junto à
sociedade, sobretudo, com os movimentos e as entidades das pessoas com
deficiência e suas famílias, acerca do cumprimento de diretrizes e metas de
inclusão de todas as pessoas na educação. Ao Ministério Público (Federal e
Estaduais) e à Defensoria Pública (da União e Estaduais):
· Que
acompanhem o cumprimento da garantia constitucional do direito ao acesso à
educação, com inclusão de todas as pessoas, sem segregação, especialmente no
que se refere à obrigatoriedade da União em prestar apoio técnico e financeiro
aos sistemas públicos de ensino de Estados, Municípios e do Distrito Federal.
FERNANDO
ZASSO PIGATTO
Presidente
do Conselho Nacional de Saúde