Publicado por Iane
Kestelman | nov 1, 2020 | Dicas sobre TDAH |
A RECÉM PUBLICADA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
CONTINUA A IGNORAR CRIANÇAS E JOVENS COM TRANSTORNOS DO DÉFICIT DE ATENÇÃO OU
COM TRANSTORNOS ESPECÍFICOS DE APRENDIZAGEM
Profa. Dra. Ana Luiza Navas
Professora Adjunta, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de SP.
Coordenadora do Conselho Científico da Associação Brasileira do Déficit de
Atenção – ABDA
Associada fundadora e Colaboradora técnica do Instituto ABCD
Continuamos a testemunhar o baixo desempenho de estudantes
brasileiros, em Português e Matemática aferido por sistemas de avaliações
nacionais e internacionais (PISA 2018). Essa defasagem entre o desempenho
esperado para a escolaridade, e o desempenho observado pode ser explicada por
diversas razões pedagógicas, socioculturais, sensoriais, cognitivas, entre
outras. Considerar todos estes fatores é necessário para que ocorra uma mudança
significativa no quadro da Educação brasileira. Investir na formação de
professores, melhorar as condições de trabalho e de remuneração dos educadores,
bem como adotar práticas educacionais baseadas em evidências científicas são
algumas das prioridades a serem consideradas.
No entanto, há um grupo de crianças e jovens que mesmo com
todas as oportunidades ainda apresentam dificuldades para acompanhar o processo
de aprendizagem. Esse grupo de crianças corresponde de 4 a 6% da população que
têm Transtornos do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e/ou Transtornos
Específicos de Aprendizagem (TEAp). Há evidências científicas no mundo inteiro,
e no Brasil que indicam a importância da identificação precoce destes
transtornos que podem impactar negativamente a aprendizagem. Além disso, quando
o professor oferece recursos pedagógicos e adaptações adequados o acesso ao
conteúdo escolar é favorecido.
Desde a Declaração de Salamanca, em 1994, o Brasil tem
avançado muito em suas Políticas de Educacionais na perspectiva da educação
inclusiva, estabelecendo diretrizes e critérios para o acompanhamento de
crianças com necessidades especiais, no ensino regular e complementação no
Atendimento Educacional Especializado (Brasil, MEC, Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, 2007).
A publicação da nova “Política Nacional de Educação Especial: Equitativa,
Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida” (Brasil, DECRETO Nº 10.502, DE 30
DE SETEMBRO DE 2020) apresenta um retrocesso para as políticas de inclusão.
Apesar de parecer ampliar as opções de escolha das famílias, a política pode
favorecer uma visão de segregação dos alunos com necessidades especiais,
afastando-os do convívio prioritário em salas de aula do ensino regular.
O Capítulo III Artigo 5º define o público alvo da educação
especial e menciona que deve seguir a definição que consta da Lei Brasileira de
Inclusão – (LBI) nº 13.146, de 6 de julho de 2015 – Estatuto da Pessoa com
Deficiência. De acordo com a referida Lei Artigo. 2º, ou seja:
Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com
uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial,
realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:
I – os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;
II – os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
III – a limitação no desempenho de atividades; e
IV – a restrição de participação.
§ 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência. (Vide
Lei nº 13.846, de 2019)
Apesar da descrição do público alvo, de acordo com a LBI,
contemplar o grupo de crianças com TDAH e/ou Transtornos de Aprendizagem
(Dislexia ou Discalculia), as necessidades especificas deste grupo não foram
mencionadas na política recém publicada, nem mesmo reconhecendo as dificuldades
funcionais que estas crianças apresentam em sua vida escolar.
A ausência de reconhecimento explícito da dislexia e do TDAH
nas políticas educacionais, dificulta que uma família consiga apoio na escola,
e que tenha acesso aos recursos didáticos adequados para melhorar a vida
escolar de seu filho. prevalência de dislexia entre 5 a 7% da população
escolar. Considerando que o número de matrículas na Educação básica é de 48,5
milhões de alunos, estima-se que cerca de 2 milhões de estudantes têm
transtornos de aprendizagem e ou TDAH no Brasil.
O documento apresenta ambiguidades no que se refere a
discussão sobre acessibilidade no ensino regular com a publicação do Estatuto
da Pessoa com Deficiência, e a aprovação da Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015). De acordo com
esses documentos, o conceito de deficiência deixa de se referir a uma população
específica, passando a considerar situações permanentes ou temporárias que
podem dificultar ou impedir a aprendizagem. Nesse sentido, o papel da inclusão
seria diminuir as barreiras à aprendizagem, garantindo as adaptações
linguísticas e cognitivas necessárias para atender a todos os estudantes,
independentemente da dificuldade apresentada, em uma perspectiva do Desenho
Universal da Aprendizagem (MOUSINHO; SANTOS; NAVAS, 2017).
No mundo, há legislação específica para apoio educacional e
garantia de diagnóstico por equipes multidisciplinares a crianças com
transtornos específicos de aprendizagem e TDAH em mais de 170 países. Como
exemplo, destaco as legislações no Reino Unido e Estados Unidos da America que
enfatizam a importância da identificação precoce destes casos para intervir o
mais rapidamente possível (Reino Unido, Special Educational Needs Code of
Practice. 2001; Estados Unidos da America, The Individuals with Disabilities
Education Act, IDEA, 2004).
Ainda em tempo, vale ressaltar que neste momento muitos
países se concentram em discutir os desafios educacionais impostos pela
situação da pandemia, sobre como implementar programas de apoio para a retomada
da escolarização pós pandemia. Infelizmente, o referido decreto parece
novamente ignorar aqueles que mais precisarão de medidas compensatórias e de
recuperação da aprendizagem. Se alunos com diferentes níveis de escolaridade
têm dificuldades com o distanciamento social e as aulas remotas, para os
estudantes com transtornos específicos de aprendizagem e/ou TDAH o desafio é,
sem dúvida, ainda maior.
Até quando sucessivas políticas de educação vão ignorar os
alunos com TDAH e Dislexia?
___________________________________________________________________
Fonte: https://tdah.org.br/politica-de-educacao-especial-ignora-tdah-e-dislexia/