Note que esta matéria foi publicada antes da Votação do STF sobre a suspensão do Decreto 10.502/20
Em liminar, ministro Toffoli considera ilegal medida do
governo federal que incentiva a segregação de alunos com deficiência.
Parlamentares e entidades comemoram decisão do Supremo
Por Redação RBA - Rede Brasil Atual - Publicado 03/12/2020 - 16h51 Por Gilberto Firmino/ Ag. Senado
Toffoli destaca que não cabe ao Poder Público "recorrer
aos institutos de classes e escolas especializadas para futuras providências de
inclusão educacional"
São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) analisará no próximo dia 11, em plenário, a suspensão da nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE)apresentada pelo governo de Jair Bolsonaro. Na terça (1º), o ministro Dias Toffoli, suspendeu o decreto presidencial 10.502, por meio de liminar (decisão provisória, até que o mérito do caso seja apreciado pelo colegiado). O decreto estabelece classes especializadas para conduzir a aprendizagem de estudantes com deficiência. De acordo com Toffoli, a medida representa uma ameaça à educação inclusiva, prevista desde 2008.
A decisão de Toffoli a ser submetida ao plenário responde a
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo PSB. Para o partido, a
PNEE de 2020, ao sugerir novos espaços para o atendimento educacional
especializado, ou seja, instalações isoladas para alunos com deficiência, na
prática os discrimina e segrega. Ao reconhecer a ilegalidade, o
ministro do STF apontou que não caberia ao Poder Público “recorrer aos
institutos de classes e escolas especializadas para futuras providências de
inclusão educacional de todos os estudantes.”
Toffoli acrescenta em seu despacho que “salta aos olhos o
fato de que o dispositivo trata as escolas regulares inclusivas como uma
categoria específica dentro do universo da educação especial, como se houvesse
a possibilidade de existirem escolas regulares não-inclusivas”. Segundo o
ministro, a educação inclusiva não significa a implementação de uma nova
instituição. Mas a adaptação de todo o sistema de educação regular, no intuito
de incluir alunos com e sem deficiência “no âmbito de uma mesma proposta de
ensino, na medida de suas especificidades”.
Mobilização contra o decreto
Desde que foi publicado, no final de setembro, o decreto é
alvo de inúmeras críticas de entidades e movimentos pelos direitos das pessoas com deficiência. Até o início de outubro, conforme
reportagem da RBA, ao menos seis projetos de decreto legislativo (PDL) já
tinham sido protocolados pela suspensão da nova PNEE na Câmara dos Deputados.
Enquanto no senado tramitam outros projetos, como o PDL 437, de autoria de
Fabiano Contarato (Rede-ES).
Pelo Twitter o parlamentar defendeu a liminar proferida por
Toffoli. “A Justiça decide em favor da sociedade ao barrar uma decisão do
governo federal que exclui e segrega alunos com deficiência. A escola tem que
ser inclusiva!”.
À Agência Senado, a parlamentar Mara Gabrilli (PSDB-SP)
também mostrou apoio à decisão do STF, destacando-a como “um presente em
celebração ao Dia Internacional da Pessoa com Deficiência”, comemorado nesta
quarta (3). A suspensão da medida, de acordo com a senadora à agência,
“confirma a constitucionalidade dos artigos da Lei Brasileira de Inclusão
(LBI)”. “A LBI assegura um sistema educacional inclusivo, em todos os
níveis e modalidades de ensino, no qual as pessoas com deficiência não podem
ser excluídas do sistema regular sob a alegação de deficiência. A inclusão não
é uma opção a ser escolhida ou um fim em si mesma. A inclusão educacional é um
processo contínuo e é dever do Estado brasileiro afastar qualquer ideia de
vivência segregada das pessoas com deficiência”, completou.
O senador Paulo Rocha (PT-PA) também advertiu pelas redes
sociais que a “iniciativa do governo Bolsonaro só promove a exclusão de pessoas
com deficiência. Tanto que esse foi o mesmo entendimento do STF”.
Papel da escola regular
O texto do decreto 10.502 de Bolsonaro determina que as
famílias escolham em que instituição de ensino a criança poderia receber
educação especial. Na prática, no entanto, entidades e ativistas alertaram que
essa medida tenderia simplesmente “a não existir”. Na Rádio Brasil Atual,
a ativista do coletivo Helen Keller, Mariana Rosa, avaliou que a PNEE do
governo dava “um passo 30 anos atrás”.
Mãe de uma criança com deficiência, Mariana ressaltou que,
apesar dos avanços da legislação em 2008, muitas escolas ainda não estão
preparadas, ou ainda negam matrícula à sua filha. A prática, lembrou, antes
contrária à lei, ganharia brecha com o decreto de Bolsonaro. Assim como tiraria
recursos das escolas regulares que precisam de investimentos.
“Eu compreendo as famílias de crianças com deficiência que
encontram respaldo e apoio nas instituições especializadas. Porque nelas as
crianças e jovens têm atendimento de fonoaudiologia, fisioterapia e terapia
ocupacional. Mas a escola tem que ter o lugar de escola. Ela que é o lugar de
ensinar e de aprender”, afirmou. “A escola é que tem que melhorar e não
retroceder, piorar, lotear a educação e segregar as pessoas. O que vamos
aprender com isso como sociedade? Que temos que apartar alguns tipos de
diferença? É isso que a gente quer?”, questionou Mariana.
Interesses
A psicóloga, pedagoga e doutoranda em Educação pela
Universidade de São Paulo (USP), Isabel Rodrigues, apontou que a política de
educação especial de Bolsonaro tinha por trás uma “disputa de recursos” por parte de “instituições segregadoras“.
“Não tenho dúvida de que uma das intenções seja destinar
parte dos recursos às instituições que antes recebiam pela via da saúde, da
assistência social e da educação os recursos para existirem. E a partir de
2008, com a proposta da educação inclusiva, elas perderam grande parte do
recurso da educação. Desde então há algum tipo de pressão para se retornar a um
nível de financiamento”, contestou à RBA.
Movimentos e pessoas com deficiência também vêm usando as
redes sociais para marcar a oposição a PNEE de 2020, emplacando hashtags
como #EscolaEspecialNãoéInclusiva e #Revoga10502.
“Deficiência não é algo que a pessoa sofre ou porta. Ela
está localizada no encontro da pessoa com a sociedade. A sociedade promove
barreiras para essas pessoas. A pessoa que é usuária de cadeiras de rodas e não
encontra rampas pela cidade, ela vai estar mais excluída do que uma pessoa que
mora numa cidade em que a acessibilidade está garantida em todos os prédios. Da
mesma forma é a escola”, destaca Isabel.
Redação: Clara Assunção
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Fonte: https://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2020/12/politica-educacao-especial-bolsonaro-stf/