A Educação Inclusiva não admite retorno.
"O Ministério
da Educação tem, hoje, um momento ímpar de recuperar o que desfigurou a PNEEPEI
e acompanhar, em todo o país, sua implementação".
A Política Nacional
de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva - PNEEPEI (BRASIL,
2008) esteve em perigo de ser descaracterizada, em 2018, e até mesmo revogada,
em 2020, pelo Decreto 10.502 que previa a volta das escolas especiais para
alguns alunos.
Apesar dessas
tentativas de "atualizá-la" e de interpretações distorcidas de suas
diretrizes, a PNEEPEI sobreviveu e continua vigente, com o apoio de famílias e
profissionais que sabem o quanto ela é importante em espaços escolares que
pretendem ser verdadeiramente inclusivos. Sua concepção e orientações continuam
garantidas por conquistas de ordem jurídica e avanços educacionais alinhados a
marcos legais nacionais e internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Nossas escolas, em
todos os seus níveis (básico e superior), devem ser inclusivas por força de
nossa Constituição e da legislação educacional brasileira. Nosso ensino escolar
é obrigatório dos 04 aos 17 anos, unicamente em escolas comuns! A Educação
Especial é uma modalidade complementar/suplementar à formação dos estudantes
que constituem seu público-alvo: pessoas com deficiência; com transtornos do
espectro do autismo e com altas habilidades/ superdotação. Como tal, não
substitui o ensino comum, seja em escolas especiais ou mesmo em escolas comuns,
como ainda temos percebido em muitas redes de ensino.
As distorções na
compreensão da PNEEPEI precisam ser resolvidas, porque têm causado muitos
problemas. Entende-se equivocadamente, por exemplo, que a Sala de Recursos
Multifuncionais (SRM) é um espaço segregado, quando na verdade é o ambiente de
trabalho do professor do Atendimento Educacional Especializado (AEE) - serviço
prestado pela Educação Especial nas escolas inclusivas. É nesse local que, no
contraturno, estudantes podem, por exemplo, aprender Braille, a se comunicar
por meio da Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA), a se locomover pela
escola com uso de bengalas, mapas táteis etc - para que consigam ter acesso
pleno às atividades e conteúdos desenvolvidos no ensino comum.
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Segundo a PNEEPEI,
é na SRM que famílias de estudantes público-alvo da Educação Especial são
recebidas para informar a escola sobre o desenvolvimento de seus filhos,
atendidos por esse serviço; que o professor da sala comum pode trocar
informações com o professor de AEE a respeito das barreiras físicas, comunicacionais,
atitudinais e linguísticas que o meio escolar pode estar impondo a um
estudante; que recursos de acessibilidade são produzidos e avaliados quanto à
sua funcionalidade. Esse espaço é, portanto, fundamental e não pode ser
confundido como uma sala de reforço escolar, como ocorre quando não se entende
o que a PNEEPEI apregoa.
Os benefícios do
AEE não se limitam à SRM, pois sua função é justamente criar condições para que
os estudantes atendidos tenham acesso a tudo o que têm direito, em toda escola
e na vida fora dela. O AEE acontece a partir de dois instrumentos: o Estudo de
Caso e a elaboração do Plano de AEE. Tais estratégias (desconhecidas por grande
parte das redes de ensino!) são personalizadas, e atendem as demandas
individuais de um estudante, para que ele faça parte do coletivo, sem
discriminações. Infelizmente, isso não ocorre em grande parte das escolas
porque a PNEEPEI não vem sendo posta em prática.
As distorções da
PNEEPEI fizeram com que o AEE ficasse à mercê de práticas que se apoiam no
velho modelo da Educação Especial - que substituía a educação comum. Assim,
nosso dever é reivindicar sua implementação, como foi originalmente pensada e
apresentada.
Muitos são os que
desconhecem (ou simplesmente ignoram) o fato de a Educação Especial na perspectiva
da educação inclusiva não ensinar conteúdos curriculares. Acreditam que o AEE
pode acontecer inclusive durante o período de aula, na sala comum e esse
entendimento tem feito com que muitos estagiários, professores e demais
profissionais de apoio (sem preparo algum) sejam contratados para ensinar
individualmente alguns alunos tidos como "problemáticos". Tal
arranjo, simplista, faz com que professores mantenham seus modos usuais de
ensinar, dedicando-se apenas àqueles "que acompanham as atividades",
esquecendo-se que um professor é professor de TODOS! O ensino é,
indiscutivelmente, um processo que se dá na coletividade, caso contrário, a
escola perde seu sentido.
A falta de
compreensão do que é a Educação Especial como modalidade de ensino, portanto,
tem feito com que a exclusão aconteça inclusive dentro das salas de aula
comuns, por meio de um ensino facilitado, adaptado, simplificado para os alunos
público-alvo da Educação Especial. Ao perpassar todas as etapas e níveis de
ensino básico e superior, a Educação Especial, nas orientações da PNEEPEI, tem
conteúdos e funções que, embora favoreçam o acesso, permanência e participação,
repetimos, não têm a ver com o ensino que ocorre em salas de aula.
Professores da
escola comum, gestores escolares de todos os níveis, famílias e formadores de
professores precisam chegar à verdadeira compreensão da PNEEPEI e da sua
coerência com o que é próprio de nossas escolas básicas e superiores: serem
verdadeiramente inclusivas!
A escola brasileira
forma cidadãos para a vida pública e não admite mais que alguns sejam apartados
em razão de comparações de níveis de aprendizagem e comportamentos com base em
um modelo pré-definido. Temos, todos, de ser valorizados pelo que somos - seres
singulares e dignos de respeito.
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O Ministério da
Educação tem, hoje, um momento ímpar de recuperar o que desfigurou a PNEEPEI e
acompanhar, em todo o país, sua implementação, conforme foi arquitetada,
segundo práticas e princípios que lhes são genuínos. Certamente, essa tarefa
vai continuar demandando muitas batalhas, no entanto, os fundamentos da PNEEPEI
são fortes o suficiente para rebater quaisquer ataques à sua essência e
práticas vanguardistas, inovadoras, além de toda a sua sustentação jurídica
inequívoca.
Mãos à obra!"
Maria Teresa Eglér
Mantoan, tmantoan@gmail.com, é doutora em Educação e professora do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),
coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença
(LEPED).
José Eduardo de
Oliveira Evangelista Lanuti, eduardo.lanuti@ufms.br, é doutor em Educação pela
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), professor do Programa de
Pós-Graduação em Educação e da graduação da Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul (UFMS) em Três Lagoas, e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Inclusão (NEPI).
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