Depoimento
Fui para escola regular com 5 anos. No primeiro dia de aula, todas as crianças brincaram comigo pois acharam muito legal ter uma colega diferente na sala de aula. No segundo dia de aula, eu fui excluída, pois alguém espalhou o boato de que minha deficiência era contagiosa. Na primeira série, apanhei de uma menina maior, pois na opinião dela eu recebia muita atenção das professoras. Na segunda série, eu tive uma professora que, na falta de recursos melhores, contornava desenhos com grãos de arroz e feijão para que eu nunca ficasse de fora de nenhuma atividade que ela planejava para a turma. Na terceira série, eu tive uma professora desequilibrada que surtava por qualquer coisa e um dia rasgou meu livro em Braille por não saber ler. Nesse mesmo ano, um colega me trouxe um ninho de passarinho pois eu havia comentado que queria saber como era um, outro colega construiu um prédio de palitos de madeira para que eu visse com as mãos como funcionavam os andares, uma professora dançou quadrilha comigo quando o aluno que seria meu par se recusou. Ela era de uma religião que não permitia isso, mas fez por mim. Uma professora gravava histórias em fitas para eu escutar em casa enquanto os outros levavam os livros normais, uma colega aprendeu Braille para me ajudar nas atividades.
Tantas e tantas coisas para listar, e o que eu quero
com tudo isso é dizer que sair da proteção da nossa casa é doloroso, assim como
com certeza é para todas as crianças, e vai sendo cada vez mais conforme vamos
crescendo e entendendo que a vida é esse misto de alegrias e tristezas.
Não é segregando que se inclui, não é escondendo que
se protege, o mundo lá fora é cheio de obstáculos e a escola serve para nos
preparar para eles no futuro.
[02:27, 30/10/2020] Windyz Ferreira: Claro que
algumas coisas eu não precisaria ter vivido, algumas dores poderiam ter sido
poupadas, mas esse processo todo me construiu e me tornou o que eu sou hoje.
Acredito, sim, que precise existir uma reforma
educacional, mas isso deve acontecer na formação de professores e não na
exclusão de alunos deficientes, isso é retroceder, é cuspir em cima de anos e
anos de luta, é invalidar o trabalho e uma vida de tantos que se empenharam em
nos fazer ser visíveis. É importante para a pessoa deficiente ter um convívio
social, é importante para as pessoas sem deficiência conviver com o diferente,
só assim vai acontecer uma verdadeira aceitação e inclusão.
A falta de materiais, de professor qualificado, de
escolas sem adaptação no espaço físico, tudo isso precisa ser combatido com
veemência e eu compactuo com essa luta, eu fiz parte dela e continuarei fazendo
enquanto eu estudar. Na passagem que tive pela vida de todos os meus
professores e colegas, tenho certeza que deixei algo, talvez nem sempre
positivo, mas todos devem lembrar que tiveram uma colega cega, uma aluna cega,
e independente da opinião pessoal de cada um sobre a minha pessoa eu estive lá,
eu fui a diferença na multidão, eu posso ter sido a pedra no sapato de alguém,
mas posso ter ensinado outros tantos, não por eu ser alguém especial, mas por
eu ser diferente, coisa que não teria acontecido caso eu tivesse estudado em
uma escola só de pessoas cegas com professores que trabalham apenas com cegos.
Tiveram momentos ruins sim, mas tiveram momentos
bons, felizes, gratificantes e enriquecedores para mim e para quem viveu
comigo. Escola especial é exclusão, escola regular é inclusão, possibilidades,
que a nossa voz seja ouvida, e que o nada sobre nós sem nós seja respeitado.
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