Para especialistas, medida é considerada inconstitucional e um retrocesso na inclusão de crianças com deficiência nas escolas
Karla Dunder, do R7 07/10/2020 - 02h00 (Atualizado em
07/10/2020 - 08h27)
Chef com Síndrome de Down, Pedro Brandão Carrera, se formou
em gastronomia
Pedro Brandão Carrera é um chef de 25 anos de idade que tem
a palavra persistência como sinônimo de sua história. A família do jovem com
Down precisou batalhar muito para que ele pudesse conquistar o diploma
universitário.
A maior dificuldade enfrentada pela pediatra Ana Claudia Brandão foi garantir que seu filho Pedro pudesse cursar o ensino médio, mesmo na época com as garantias previstas pela LBI (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência).
Essa é a realidade de muitas famílias com filhos com
deficiência e é a principal discussão em torno do decreto da Política Nacional de Educação Especial assinado pelo
presidente Jair Bolsonaro. O texto incentiva a criação de salas e escolas especiais para crianças com
deficiências, transtornos globais do desenvolvimento.
O tema gera polêmica e é considerado pelos especialistas
como um retrocesso. No Congresso, os senadores Fabiano Contarato (REDE/ES) e
Mara Gabrilli (PSDB/SP) entenderam que a PNEE é inconstitucional e excludente e
entraram com um Projeto de Decreto Legislativo para revogar o texto assinado
por Bolsonaro. A deputada Maria do Rosário (PT- RS) e o deputado Helder Salomão
(PT-ES) também questionam o Decreto na Câmara.
Para a professora da Faculdade de Educação da USP, Carla
Biancha Angelucci, a atualização da PNEE, ainda em 2018, não teve a discussão
necessária com a sociedade. "As reuniões foram realizadas com algumas
entidades escolhidas pelo governo, não houve um debate amplo da lógica da
questão."
PUBLICIDADE
Segundo o decreto, as famílias podem optar por uma escola
regular ou especial. "A ideia de que a família pode escolher a escola é
sedutora, dá uma ideia de poder, mas, na prática, tiramos a responsabilidade do
Estado de incluir as crianças com deficiência", explica Carla.
"Percorremos um longo caminho na inclusão escolar e
não podemos retroceder, entendo que as escolas especiais tenham sua importância
em alguns casos, mas é preciso que sejam qualificadas, regulamentadas e
supervisionadas", avalia a psicopedagoga Ivone Scatolin. "Acredito
que seja muito melhor uma política pública focada na inclusão, é preciso
melhorar a formação dos professores para que tenham técnicas pedagógicas
para essa inclusão."
No entendimento da professora da USP, "esse decreto
pode autorizar as escolas a cometer uma ilegalidade, a de discriminar uma
pessoa com deficiência e é um texto inconstitucional."
"Quando criamos uma sala ou uma escola especial, um
lugar separado, nós dizemos a essas pessoas que o lugar que elas ocupam é à
parte, nós aprendemos a respeitar o outro quando convivemos com as
diferenças", explica a psicóloga Ilana Katz.
O chef
"Educamos o Pedro como fizemos com os nossos outros
filhos, depois que ele saiu da educação infantil, procurei uma escola maior e
com ensino médio para evitar muitas mudanças e para que ele desse continuidade
aos estudos", conta Ana.
A escola escolhida foi parceira até o final do ensino
fundamental. "Quando Pedro chegou ao 8º ano, enviei um e-mail para a
escola com o objetivo de preparar melhor para o ensino médio durante o nono
ano", mas para a surpresa da família, Pedro não estava nos planos do
colégio, que chegou a argumentar que possui um "ensino de excelência"
e o menino não cabia ali.
Pedro em sua formatura do curso de gastronomia
Muita conversa, muito desgaste, até a entrada do Ministério Público para garantir que Pedro pudesse cursar o ensino médio. A escola precisou elaborar um plano pedagógico que se adaptasse às necessidades dos alunos com deficiência.
A inscrição para o vestibular foi outro problema para a
família. "Não havia deficiência intelectual nas fichas de inscrição,
tivemos de adaptar porque o Pedro precisava de mais tempo e de um computador
para fazer a redação."
O jovem foi aprovado em duas universidades e optou pelo
curso de gastronomia no Senac, onde se formou. "Ele conseguiu uma vaga por
ter estudado em uma escola regular e para a minha surpresa, a instituição
contratou um mediador e uma consultoria para capacitar os professores",
diz.
"Há 20 anos passei por tudo isso e vejo que hoje muitas
mães passam pelo mesmo problema", conclui Ana. "Temos de aprender a
conviver com a diversidade."
Fonte: https://noticias.r7.com/educacao/senadores-querem-revogar-decreto-da-politica-de-educacao-especial-07102020?fbclid=IwAR1CohneqncAx_1o32R9Ed9nfs2nCtzCsXlCgkzgQnZS9Sh1PcpYA7Xz360
Nenhum comentário:
Postar um comentário