segunda-feira, 13 de julho de 2020

COVID-19: Por que as pessoas com deficiência não contam?


Por DOUGLAS CHRISTIAN FERRARI DE MELO*


Há tempos as pessoas com deficiência são consideradas “descartáveis”. Lilia Lobo (2012), em Os Infames da História, nos conta um pouco da história de pobres, escravos e deficientes no Brasil até a primeira metade do século XX. Desde aquela época os “corpos desviantes”, aqueles que não serviam, eram deixados à margem.

No Império, surgiram as primeiras instituições “especializadas”, para “cuidar” dos que eram considerados fardo social. Corpos apagados e silenciados sempre. A partir da Revolução Industrial, foi preciso começar a considerar a produtividade dos que representavam a “menos valia”, e diferenciar os “treináveis” dos “não treináveis”. Em todos os casos, esses corpos era apagados silenciados.

A partir do início do processo de inclusão social (inclusive escolar), houve tentativas de trazer essas pessoas ao protagonismo a essas pessoas. Não eram mais as pessoas com deficiência que tinham que adaptar-se à sociedade (e à escola), mas o contrário.
Entretanto, estudos mostram que essa realidade tem avançado pouco ou muito lentamente. As pessoas com deficiência continuam, vistas como incapazes pela grande maioria das pessoas. Seguem invisibilizadas e sofrendo todo tipo de preconceito e discriminação.

Realidade que o Coronavírus (Covid-19) apenas agravou. Escancarou vulnerabilidades sociais como a desigualdade econômica. Outro desses sinais é a falta de inclusão, nos dados oficiais, de informações relativas a pessoas com deficiência mortas ou infectadas pelo Covid-19. A ausência desses dados é comum em todos os níveis governamentais no país.

Vale ressaltar, que nos painéis-covid dos estados e do Ministério da Saúde é possível encontrar informações estratificadas por sexo, raça, tipo de comorbidade, bairro de residência (análise socioeconômica), se é profissional de saúde, entre outras. No entanto, mesmo que se saiba, informalmente, de pessoas com deficiência que estão infectadas ou que faleceram devido ao vírus, elas seguem oficialmente invisíveis. O estado do Espírito Santo se destaca com a recente lei 11.130/2020 sancionada pelo Governo do Estado e que inclui os capixabas com deficiência no grupo de risco.

Essa ausência de informações e diagnósticos específicos, já alertada pela ONU e pela OMS no início da pandemia, dificulta consideravelmente a realização de pesquisas e análise de dados; além da elaboração de políticas públicas direcionadas.
Enfim, enquanto não conseguimos elaborar nada oficialmente direcionado a esse público, para durante a pandemia ou depois dela, ouvimos relatos de pessoas cegas que não recebem ajuda devido à necessidade de contato e de pessoas surdas que não conseguem fazer leitura labial por causa da necessidade do uso de máscaras.

Muitas perguntas seguem sem resposta:
- Como estão as pessoas com deficiência no retorno ao trabalho, após a flexibilização das atividades não essenciais?
- Como será o retorno ao cotidiano escolar para esse público?
 A quem interessa que as pessoas com deficiência continuem e não contar?
 Por que não há dados sobre essas pessoas em um momento tão crucial para todos?
- Se a necropolítica e o capacitismo não param, até quando continuaremos inertes?


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DOUGLAS CHRISTIAN FERRARI DE MELO: Doutor em educação no Programa de Pós-graduação em Educação pela UfES. Possui graduação em pedagogia (2017) pela Uniube e em história (2003) pela Ufes, especialização (2004) e mestrado (2007) em História pela Ufes. Foi professor da Prefeitura Municipal de Vila Velha de 2004 a 2017. É professor adjunto do Departamento de Educação, Política e Sociedade, do Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Educação-CE/PPGMPE/Ufes, do Programa de Pós-graduação em Educação-CE/PPGE/Ufes e foi coordenador do Núcleo de Acessibilidade da Ufes (NAUFES) (2017-2019). É membro do conselho editorial/científico da Editora Brasil Multicultural, Coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Fundamentos da Educação Especial - GEPFEE/UFES e vice coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Deficiência Visual e Cão-guia. Trabalha com as questões das áreas da história da educação, políticas públicas de educação, de educação especial e subárea da deficiência visual, tendo como referenciais teóricos a teoria Histórico-cultural de Vigotiski, a Pedagogia Histórico-crítica e o pensamento político, educacional e filosófico de Antônio Gramsci. Organizador dos livros: "Educação e direito: inclusão das pessoas com deficiência visual" e "Práticas Pedagógicas no Atendimento Educacional Especializado: pessoas com deficiência visual", "Pessoas com deficiência no ensino superior: desafios e possibilidades" e "Práticas inclusivas: saberes, estratégias e recursos didáticos". Autor do livro: Entre a luta e o direito: "Políticas públicas de educação para pessoas com deficiência visual" e Gramsci e a educação especial". Realiza formação de professores na área de Educação Especial, Deficiência Visual e AEE.
Informações coletadas do Lattes em 23/06/2020

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