Por DOUGLAS CHRISTIAN FERRARI DE MELO*
Há tempos as pessoas com deficiência são consideradas
“descartáveis”. Lilia Lobo (2012), em Os Infames da História, nos conta um
pouco da história de pobres, escravos e deficientes no Brasil até a primeira
metade do século XX. Desde aquela época os “corpos desviantes”, aqueles que não
serviam, eram deixados à margem.
No Império, surgiram as primeiras instituições
“especializadas”, para “cuidar” dos que eram considerados fardo social. Corpos
apagados e silenciados sempre. A partir da Revolução Industrial, foi preciso
começar a considerar a produtividade dos que representavam a “menos valia”, e
diferenciar os “treináveis” dos “não treináveis”. Em todos os casos, esses
corpos era apagados silenciados.
A partir do início do processo de inclusão social (inclusive
escolar), houve tentativas de trazer essas pessoas ao protagonismo a essas
pessoas. Não eram mais as pessoas com deficiência que tinham que adaptar-se à
sociedade (e à escola), mas o contrário.
Entretanto, estudos mostram que essa realidade tem avançado
pouco ou muito lentamente. As pessoas com deficiência continuam, vistas como
incapazes pela grande maioria das pessoas. Seguem invisibilizadas e sofrendo
todo tipo de preconceito e discriminação.
Realidade que o Coronavírus (Covid-19) apenas agravou. Escancarou
vulnerabilidades sociais como a desigualdade econômica. Outro desses sinais é a
falta de inclusão, nos dados oficiais, de informações relativas a pessoas com
deficiência mortas ou infectadas pelo Covid-19. A ausência desses dados é comum
em todos os níveis governamentais no país.
Vale ressaltar, que nos painéis-covid dos estados e do
Ministério da Saúde é possível encontrar informações estratificadas por sexo,
raça, tipo de comorbidade, bairro de residência (análise socioeconômica), se é
profissional de saúde, entre outras. No entanto, mesmo que se saiba,
informalmente, de pessoas com deficiência que estão infectadas ou que faleceram
devido ao vírus, elas seguem oficialmente invisíveis. O estado do Espírito
Santo se destaca com a recente lei 11.130/2020 sancionada pelo Governo do
Estado e que inclui os capixabas com deficiência no grupo de risco.
Essa ausência de informações e diagnósticos específicos, já
alertada pela ONU e pela OMS no início da pandemia, dificulta consideravelmente
a realização de pesquisas e análise de dados; além da elaboração de políticas
públicas direcionadas.
Enfim, enquanto não conseguimos elaborar nada oficialmente
direcionado a esse público, para durante a pandemia ou depois dela, ouvimos
relatos de pessoas cegas que não recebem ajuda devido à necessidade de contato
e de pessoas surdas que não conseguem fazer leitura labial por causa da
necessidade do uso de máscaras.
Muitas perguntas seguem sem resposta:
- Como estão as pessoas com deficiência no retorno ao
trabalho, após a flexibilização das atividades não essenciais?
- Como será o retorno ao cotidiano escolar para esse público?
A quem interessa que as pessoas com deficiência continuem e
não contar?
Por que não há dados sobre essas pessoas em um momento tão
crucial para todos?
- Se a necropolítica e o capacitismo não param, até quando
continuaremos inertes?
_________________________________
* DOUGLAS CHRISTIAN FERRARI DE MELO: Doutor em educação no Programa de Pós-graduação em Educação pela UfES. Possui graduação em pedagogia (2017) pela Uniube e em história (2003) pela Ufes, especialização (2004) e mestrado (2007) em História pela Ufes. Foi professor da Prefeitura Municipal de Vila Velha de 2004 a 2017. É professor adjunto do Departamento de Educação, Política e Sociedade, do Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Educação-CE/PPGMPE/Ufes, do Programa de Pós-graduação em Educação-CE/PPGE/Ufes e foi coordenador do Núcleo de Acessibilidade da Ufes (NAUFES) (2017-2019). É membro do conselho editorial/científico da Editora Brasil Multicultural, Coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Fundamentos da Educação Especial - GEPFEE/UFES e vice coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Deficiência Visual e Cão-guia. Trabalha com as questões das áreas da história da educação, políticas públicas de educação, de educação especial e subárea da deficiência visual, tendo como referenciais teóricos a teoria Histórico-cultural de Vigotiski, a Pedagogia Histórico-crítica e o pensamento político, educacional e filosófico de Antônio Gramsci. Organizador dos livros: "Educação e direito: inclusão das pessoas com deficiência visual" e "Práticas Pedagógicas no Atendimento Educacional Especializado: pessoas com deficiência visual", "Pessoas com deficiência no ensino superior: desafios e possibilidades" e "Práticas inclusivas: saberes, estratégias e recursos didáticos". Autor do livro: Entre a luta e o direito: "Políticas públicas de educação para pessoas com deficiência visual" e Gramsci e a educação especial". Realiza formação de professores na área de Educação Especial, Deficiência Visual e AEE.
Informações coletadas do Lattes em 23/06/2020
Nenhum comentário:
Postar um comentário