EXCLUSÃO POR INTERESSE?
Crítica às classes especializadas é da psicóloga Isabel Rodrigues. Movimentos de pessoas com deficiência se articulam pela revogação de decreto
Redação RBA Publicado 13/10/2020 - 12h02Dênio Simões/Ag. Brasília Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima
Escolas devem "proporcionar a aprendizagem das crianças com deficiência com as crianças sem deficiência no mesmo espaço", afirma Isabel
São Paulo – Para a psicóloga, pedagoga e doutoranda em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Isabel Rodrigues, a nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE), apresentada pelo governo Jair Bolsonaro para estudantes com deficiência, tem por trás “uma disputa por recursos” entre “instituições segregadoras que são nomeadas como escolas especiais”. Publicada em decreto (nº 10.502) no final de setembro, a medida é vista como uma ameaça à educação inclusiva, prevista em lei desde 2009.
Em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil
Atual, Isabel, que é também assessora do Instituto Vladimir Herzog (IVH),
destaca que a nova política extingue a ideia de educação inclusiva ao propor
que classes especializadas conduzam a aprendizagem de estudantes com
deficiência. O que, na prática, são espaços institucionais à parte da escola
regular, onde essas pessoas não vão ter seus direitos garantidos.
“Não tenho dúvida de que uma das intenções seja
destinar parte dos recursos a instituições que antes recebiam pela via da
saúde, da assistência social e da educação os recursos para existirem. E a
partir de 2008, com a proposta da educação inclusiva, elas perderam grande
parte do recurso da educação. Desde então há algum tipo de pressão para se
retornar a um nível de financiamento”, afirma a psicóloga e pedagoga.
Articulação
Conforme reportado pela RBA, desde que foi
anunciada pelo presidente, a medida é alvo de inúmeras críticas de entidades e
movimentos das pessoas com deficiência. Na Câmara dos Deputados, por exemplo,
há ao menos seis projetos de decreto legislativo (PDL) que pedem sua suspensão.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) também apresentou o PDL 437 no Legislativo para sustar os
efeitos do decreto.
Em paralelo, os ministérios públicos de São Paulo e
Paraná também destacam que a nova PNEE é inconstitucional. E representa um retrocesso do
ponto de vista legal. Isso porque há uma “confusão” entre a oferta do direito à
educação com a oferta do direito à educação especializada. O que reduz a
participação das pessoas com deficiência na educação. Na prática, a medida de
Bolsonaro está longe de garantir o acesso à educação regular ao propor como
modalidade de ensino as chamadas classes especializadas.
De acordo com Isabel, devido à pressão contrária ao
decreto, movimentos e entidades já conseguiram um requerimento de urgência para
votação na Câmara. “Agora é necessário que o (presidente da Câmara) Rodrigo
Maia paute e o decreto seja revogado”, comenta. Pelas redes sociais, apoiadores
também emplacam hashtag #EscolaEspecialNãoÉInclusiva.
Contra as barreiras
“A gente sabe pelo histórico dessas instituições que
as características que elas desenvolvem estão mais localizadas no campo da
saúde do que da educação. Essas instituições tiveram seu papel histórico na
época em que não existiam políticas públicas de acesso e garantia de direitos
dessa população”, observa a psicóloga e pedagoga sobre o período anterior ao
decreto 6.949 de 2009. A medida foi a que deu força de lei à Convenção
Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, assinada por 160 países
dois anos antes.
“A partir de convenção, ratificada no Brasil com
status constitucional desde 2009, ela procura garantir uma mudança de
perspectiva de um modelo médico, que localizava a deficiência no corpo da
pessoa, para um modelo social. Então deficiência não é algo que a pessoa sofre
ou porta. Ela está localizada no encontro da pessoa com a sociedade. A
sociedade promove barreiras para essas pessoas. A pessoa que é usuária de
cadeiras de rodas e não encontra rampas pela cidade, ela vai estar mais
excluída do que uma pessoa que mora numa cidade em que a acessibilidade está
garantida em todos os prédios. Da mesma forma é a escola”, compara Isabel,
reforçando a importância da inclusão na escola regular.
“Ofertar a produção de recursos de acessibilidade,
romper com barreiras que possam existir e proporcionar a aprendizagem dessas
crianças com deficiência com as crianças sem deficiência no mesmo espaço”,
finaliza.
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