quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Depoimento - Sobre a escola especial ou escola inclusiva... por Carol Macalini (pessoa cega)

Depoimento

Fui para escola regular com 5 anos. No primeiro dia de aula, todas as crianças brincaram comigo pois acharam muito legal ter uma colega diferente na sala de aula. No segundo dia de aula, eu fui excluída, pois alguém espalhou o boato de que minha deficiência era contagiosa. Na primeira série, apanhei de uma menina maior, pois na opinião dela eu recebia muita atenção das professoras. Na segunda série, eu tive uma professora que, na falta de recursos melhores, contornava desenhos com grãos de arroz e feijão para que eu nunca ficasse de fora de nenhuma atividade que ela planejava para a turma. Na terceira série, eu tive uma professora desequilibrada que surtava por qualquer coisa e um dia rasgou meu livro em Braille por não saber ler. Nesse mesmo ano, um colega me trouxe um ninho de passarinho pois eu havia comentado que queria saber como era um, outro colega construiu um prédio de palitos de madeira para que eu visse com as mãos como funcionavam os andares, uma professora dançou quadrilha comigo quando o aluno que seria meu par se recusou. Ela era de uma religião que não permitia isso, mas fez por mim. Uma professora gravava histórias em fitas para eu escutar em casa enquanto os outros levavam os livros normais, uma colega aprendeu Braille para me ajudar nas atividades.

Tantas e tantas coisas para listar, e o que eu quero com tudo isso é dizer que sair da proteção da nossa casa é doloroso, assim como com certeza é para todas as crianças, e vai sendo cada vez mais conforme vamos crescendo e entendendo que a vida é esse misto de alegrias e tristezas.

Não é segregando que se inclui, não é escondendo que se protege, o mundo lá fora é cheio de obstáculos e a escola serve para nos preparar para eles no futuro.

[02:27, 30/10/2020] Windyz Ferreira: Claro que algumas coisas eu não precisaria ter vivido, algumas dores poderiam ter sido poupadas, mas esse processo todo me construiu e me tornou o que eu sou hoje.

Acredito, sim, que precise existir uma reforma educacional, mas isso deve acontecer na formação de professores e não na exclusão de alunos deficientes, isso é retroceder, é cuspir em cima de anos e anos de luta, é invalidar o trabalho e uma vida de tantos que se empenharam em nos fazer ser visíveis. É importante para a pessoa deficiente ter um convívio social, é importante para as pessoas sem deficiência conviver com o diferente, só assim vai acontecer uma verdadeira aceitação e inclusão.

A falta de materiais, de professor qualificado, de escolas sem adaptação no espaço físico, tudo isso precisa ser combatido com veemência e eu compactuo com essa luta, eu fiz parte dela e continuarei fazendo enquanto eu estudar. Na passagem que tive pela vida de todos os meus professores e colegas, tenho certeza que deixei algo, talvez nem sempre positivo, mas todos devem lembrar que tiveram uma colega cega, uma aluna cega, e independente da opinião pessoal de cada um sobre a minha pessoa eu estive lá, eu fui a diferença na multidão, eu posso ter sido a pedra no sapato de alguém, mas posso ter ensinado outros tantos, não por eu ser alguém especial, mas por eu ser diferente, coisa que não teria acontecido caso eu tivesse estudado em uma escola só de pessoas cegas com professores que trabalham apenas com cegos.

Tiveram momentos ruins sim, mas tiveram momentos bons, felizes, gratificantes e enriquecedores para mim e para quem viveu comigo. Escola especial é exclusão, escola regular é inclusão, possibilidades, que a nossa voz seja ouvida, e que o nada sobre nós sem nós seja respeitado.

Visão Essa medida torna imperativa as alterações, mas não justifica sua revogação. profa. Erenice Carvalho (Facebook 30/10)

Duas informações recentes chamaram nossa atenção, ao relacionar Ministério Público e políticas nacionais de educação especial no Brasil. São elas:

1. “Defensorias públicas ingressam no STF contra nova política de educação especial.” (Revista Consultor Jurídico, 26/10/2020).

2. “Análise do Decreto nº 10.502/2020, de 30 de setembro de 2020, que institui a Política Nacional de Educação Especial” (Nota Técnica AMPID Nº 01/2020).

Sobre essas publicações, cabe retomar fatos que remontam ao início dos anos 2000. A saber:

Em 2004, foi publicada e divulgada, nacionalmente, a cartilha editada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, intitulada “O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular”, tendo como primeira autora Eugênia Augusta Gonzaga Fávero (procuradora da República), Luisa de Marillac P. Pantoja  (membro do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios) e Maria Teresa Eglér Mantoan (pedagoga, professora universitária).

O conteúdo da cartilha versa sobre aspectos jurídicos e orientações pedagógicas direcionadas aos sistemas e redes de ensino, públicos e particulares, abordando temas como: inclusão escolar; organização pedagógica das escolas; ensino em sala de aula; práticas de ensino; atividades e processos pedagógicos; avaliação, etc. Todos os conteúdos convergem para a emergência da educação inclusiva no Brasil, recomendando a extinção de escolas especializadas, cuja destinação foi vista (equivocadamente) como limitada à oferta de atendimento educacional especializado.

Segundo essa interpretação, as referidas instituições não tinham identidade de escola, a despeito de sua regularização nas respectivas secretarias de educação. Assim sendo, deveriam “providenciar imediatamente a matrícula das pessoas que atende [...] em escolas comuns da rede regular.” (p. 15). E ainda: “O sistema oficial de ensino, por meio de seus órgãos [...] deve dar às escolas especiais prazo para que adotem as providências necessárias [...]. (p. 15). No restante do texto, as autoras prosseguem definindo novos fazeres (atendimento clínico e atendimento educacional especializado) para as organizações não governamentais.

Em seguida, as autoras relacionam vários requisitos e diretrizes para o atendimento escolar das pessoas com deficiência, devidamente categorizadas por tipo de impedimento funcional. No que tange às orientações pedagógicas, seguem elencados alguns destaques:

· Garantia de atendimento educacional especializado, preferencialmente na própria escola comum da rede regular de ensino. (p. 34).

· Medida restritiva: “Nenhum aluno é encaminhado a salas de reforço ou aprende a partir de currículos adaptados.” (p. 34). Nesse ponto, entendemos que a diferenciação de ensino está descartada, mesmo para estudantes que necessitam de apoios individualizados, intensos e contínuos.

· Direcionamento teórico único: “É o aluno que se adapta ao novo conhecimento e só ele é capaz de regular o seu processo de construção intelectual.” [...] cabe ao educando individualizar sua aprendizagem.” (p. 34). Encaramos, a partir dessa afirmação, que o papel do professor como mediador da aprendizagem e sua atuação e intencionalidade nos processos de ensino-aprendizagem perdem lugar. Autonomia questionável, para discentes com graves comprometimentos funcionais.

· Direcionamento metodológico: “A inclusão não prevê a utilização de práticas de ensino escolar específicas para esta ou aquela deficiência [...]” (p. 35). Essa afirmativa aponta para um ensino de caráter universalizante, minimizando o impacto das diferenças na escola e da escola nas diferenças.

Ao se referir ao estudante “com graves comprometimentos”, o texto expressa:

Um aluno com grandes limitações provavelmente não vai aprender tudo o que outros colegas poderão assimilar durante o processo educativo escolar, mas ele vai se beneficiar da convivência social e pode se beneficiar também, a seu modo e segundo suas possibilidades intelectuais, dos conteúdos curriculares trabalhados na sua sala de aula.” (p. 46).

A aprendizagem é pouco enfatizada nessa citação, em favor da socialização. Pode-se considerar ainda, as poucas perspectivas acadêmicas para o estudante, quanto mais avançada a complexidade dos conteúdos curriculares, ainda mais que se preconiza que a aula seja dada para “ensinar a turma toda” (p. 36-42).

Em 2008, o MEC lançou, oficiosamente, a “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”, tendo como pedra angular os ditames da cartilha produzida pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. A leitura cuidadosa dos textos demonstra o alinhamento entre suas ideias. Fica a indagação: que nível de participação social envolveu a elaboração de ambos? Quantas pessoas com deficiência, altas habilidades/superdotação e com transtorno do espectro autistas (público a quem se destina a política); familiares; professores (inclusive da educação básica); gestores; técnicos em educação; pesquisadores; organizações da sociedade civil, entre outros, foram ouvidos e compartilharam a formulação da referida  Política?

Retornando ao início deste texto, quanto às duas publicações trazidas para reflexão, verificamos a convergência entre elas, a cartilha produzida pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e a Política de 2008. Em discurso uníssono, recomendam a supressão das escolas e classes especializadas.

A Nota Técnica AMPID Nº 01/2020, afirma que o Decreto nº 10.502/2020 “[...] nega o reconhecimento do direito da pessoa com deficiência a viver em comunidade, dela participar e desfrutar dessa convivência; [...] retrocede em direitos da pessoa com deficiência a uma escola inclusiva, direito fundamental há muito conquistado.”

Ocorre que não há consenso nesse particular, porque parte da sociedade brasileira que aprova, estimula e luta pela educação inclusiva, reconhece que a inclusão de todos os estudantes na classe comum requer melhor desenvolvimento dos sistemas educacionais, principalmente, para situações específicas de graves e múltiplos comprometimentos funcionais, restrição calcada em avaliação biopsicossocial envolvendo a família. Espaços que favoreçam a aprendizagem, o desenvolvimento e a participação desses estudantes e seu melhor interesse precisam ainda ser investigados cientificamente.

Por outro lado, existe a procura de parte da população pelas escolas especializadas, segundo dados recentes do censo escolar. Sejam egressos da escola comum, seja matrícula inicial com indicação para ambiente especializado com apoios significativos. A própria sociedade é a medida, uma vez que a minoria demandante está refletida nas curvas dos gráficos e reduz-se cada vez mais a demanda para um grupo minoritário e mais seletivo.

Esse público tem sido pouco contemplado nas discussões sobre educação inclusiva. Mantém-se praticamente invisível, devido ao seu apagamento nas políticas públicas e ao incipiente número de pesquisas científicas, dentro e fora do Brasil, verificado nas revisões de literatura disponíveis dos últimos 10 anos. Na ausência de evidências científicas, vêm predominando as evidências empíricas, no cotidiano das redes de ensino e na insegurança das famílias acerca da efetividade da inclusão escolar.

Pode-se depreender, das observações levantadas aqui, que o Ministério Público vem encaminhando historicamente a questão das escolas e classes especializadas com base, principalmente, em interpretações do ordenamento jurídico e no juízo moral e normativo, com poucas fontes decorrentes de pesquisas educacionais, depoimentos de pessoas atendidas pela Educação Especial, de educadores atuantes na prática pedagógica e das famílias.

Em 2020, foi lançado o Decreto nº 10.502/2020, que se encontra em vigoroso sob fogo cruzado pelos defensores da política de 2008, principalmente por trazer o registro das escolas e classes especializadas, públicas e privadas, que nunca deixaram de existir, apesar de apagadas na política anterior. A despeito de muitos equívocos, que requerem ajustes e regulamentações, o texto do Decreto nº 10.502/2020 traz avanços como: põe em evidência as singularidades dos estudantes e seu protagonismo; situa a intencionalidade do processos de ensino-aprendizagem; evidencia as demandas e ofertas de apoios individualizados para os estudantes que necessitam; resgata o protagonismo das famílias; abre espaço para o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas; alarga os espaços de aprendizagem para os estudantes, face às diversidades da população estudantil; posiciona o estudante como centro do processo educativo, dando-lhe visibilidade, dentre outros aspectos a serem considerados em análise mais aprofundada.

As fontes para formulação da política de 2020 incluiu reuniões, consulta pública, audiências públicas, pesquisas, visitas, escutas, consultorias e outras formas de participação, organizados em um texto formulado pelo MEC, em 2018. Houve grande equívoco, no entanto, no lançamento da política: reduções, supressões e modificações da versão original para adequar-se ao Decreto, resultando em dúvidas e questionamentos sobre seu conteúdo. Essa medida torna imperativa as alterações, mas não justifica sua revogação.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

NOTA DE REPÚDIO FEDERAÇÃO DAS APAEs e PESTALOZZI DO ESPÍRITO SANTO

 


Visão: ‘Atualização’ da política de inclusão atende interesses de entidades em ‘nome da segregação’ segundo Meire Cavalcante

 RETROCESSOS

Reforma proposta pelo governo Temer continua a avançar sob gestão Bolsonaro. Movimentos e pesquisadores se mobilizam para impedir retrocessos na inclusão de pessoas com deficiência em escolas regulares

Por Redação RBA     Publicado 09/02/2020 - 10h15  Marcello Casal Jr./EBC

 Pesquisadora alerta que a equipe da proposta, que acaba com inclusão das pessoas com deficiências nas escolas, é a mesma que está no governo Bolsonaro

São Paulo – O número de matrículas na educação especial vem crescendo a cada ano para todas as etapas de ensino da rede pública brasileira, aponta o Censo Escolar de 2019, divulgado no último dia 31. No ano passado, o Ministério da Educação (MEC) registrou aumento de 5,9% nas matrículas de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades (superdotação). Em 2018 o censo já mostrava crescimento de 33,2% em relação a 2014, reforçando o total de 1,3 milhão de alunos matriculados no ano passado.

O crescimento não deixa de sugerir que a educação básica brasileira vem ficando mais inclusiva, apesar de esforços em contrário desde o governo de Michel Temer. No ano em que o número de matrículas deu um salto, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) tentava desarticular a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI).

A proposta alterava esse instrumento de inclusão nas escolas públicas para privilegiar a inserção de alunos com deficiência em escolas especiais, mas a imediata reação da academia, movimentos e entidades que defendem a educação inclusiva fez com que à época o MEC recuasse da decisão.

Verniz democrático

Agora, no entanto, o governo Bolsonaro faz levantar novamente a preocupação entre os representantes que defendem a inclusão nas escolas, uma vez que o projeto de Temer não escapa da linha de “desmonte da educação” que tem o governo, alerta a pesquisadora Meire Cavalcante, da Faculdade de Educação e do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“A Secadi foi extinta por esse governo, no começo do ano passado, assim que Bolsonaro tomou posse, só que a equipe que estava no governo Temer foi mantida para dar continuidade ao projeto de desmonte da educação inclusiva”, explica a pesquisadora em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria na Rádio Brasil Atual.

As investidas contra a PNEEPEI começaram em abril de 2018, quando o governo Temer, por meio da Secadi, convocou uma reunião para anunciar a proposta de reformar as diretrizes da política nacional de inclusão, sob o principal argumento de que era preciso “atualizá-la” – mesmo sendo ela um instrumento reconhecido como inovadora pela Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo.

No cerne da reforma, o governo propunha a retirada da “perspectiva da educação inclusiva” já no nome da política nacional, uma tentativa, de acordo com Meire, de retomar classes e escolas especiais. “O governo Michel Temer era um governo ilegítimo, não foi eleito, e se configurou como um governo às sombras, que tentou fazer mudanças em uma política importante para o país fingindo um verniz de democracia, e esse governo (Bolsonaro) que, apesar de ter sido eleito, tem um caráter absolutamente autoritário, está mantendo a linha”, adverte.

Não à toa, destaca a pesquisadora, foram selecionadas apenas algumas entidades para participar de uma reunião convocada pelo MEC em 2018 para debater a questão. “(Participaram) várias entidades que se beneficiam da segregação de seres humanos e defendem escolas e classes especiais porque acreditam nesse modelo que tem a deficiência como algo relacionado à incapacidade e também porque se beneficiam política e economicamente da segregação”, revela.

De acordo com a pesquisadora, a suposta “atualização” gira em torno, na verdade, do financiamento público, principalmente os recursos alocados pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Desde 2008, quando a PNEEPEI foi implementada e as escolas públicas passaram a incluir os alunos com deficiências nas salas de aula, além de receber a verba regular e constitucional do Fundeb, o governo também investe recursos do fundo para garantir o chamado Atendimento Educacional Especializado (AEE), com profissionais capacitados no atendimento à pessoa com deficiência, mas no sentido de complementação do papel da escola comum a todos.

“E essas entidades que defendem a segregação de seres humanos em classes e escolas especiais querem receber essa dupla matrícula, mas ela é um motor para inclusão, não para segregação, então elas querem receber como escola e como atendimento educacional especializado”, ressalta Meire, acrescentando que essa verba também atrai o interesse de  prefeituras e políticos que a utilizam para também segregar e manter nichos eleitorais. “Esse discurso que coloca a pessoa com deficiência como incapaz ou ‘pobrezinha’ é justamente o que nós queremos extinguir”, critica.

Eliminar barreiras faz a deficiência deixar de ser fator de exclusão 

A atual PNEEPEI, que vem garantindo a inclusão de alunos com deficiência nas escolas brasileiras, traz uma mudança no entendimento sobre a deficiência estabelecido décadas atrás. A pesquisadora do Leped da Unicamp destaca a transição do modelo médico para o modelo social atual.

Na década de 70, por exemplo, a deficiência era entendida por uma lógica de curas e tratamentos, e foi a luta do próprio movimento das pessoas com deficiência, ao longo desse processo, que conseguiu realizar a transição para o chamado modelo social.

O movimento conseguiu garantir que lugar da pessoa com deficiência era na escola regular, e não em uma escola especial que agrupava várias terapias com atividades pedagógicas que, ao fim, tinham um papel secundário. Em 2008, esse direito foi garantido, acompanhando a convenção da ONU que traz um novo conceito para deficiência, como destaca a pesquisadora.

“O conceito de deficiência ficou como o que resulta do contato entre quem tem deficiência e a barreira do contexto, e se você elimina as barreiras, a deficiência deixa de ser um fator que exclui”, observa. “A educação especial passa então ser o apoio, o alicerce para a inclusão. E isso incomodou muito, porque muitas entidades passaram a perder matrículas com dinheiro público porque a escola ao lado da casa da criança, que é o que está previsto na Constituição, passou a ofertar, não só a escolarização, mas também o apoio especializado”, ressalta.

Atualizar é aperfeiçoar

A transição do modelo social para o dos direitos humanos, em processo hoje, acaba por reforçar que a deficiência é uma condição do sujeito, mas que não determina quem ele é ou que ele pode fazer.

“A gente vai mostrando que o que precisa estar em xeque é como a escola funciona, como ela está estruturada e qual é o entendimento que a gente tem de estudante ideal. E esse é um problema muito sério, porque não só discrimina e exclui as pessoas com deficiência, mas exclui também as crianças que estão em situação de vulnerabilidade.”

Diante disso, Meire explica que qualquer “atualização” na política nacional de inclusão deveria ser para monitorar e aperfeiçoar sua implementação. “O desmonte vai por aí, porque eles viram que o AEE é muito potente para que todas as escolas tenham o serviço especializado sem precisar segregar ninguém e muitos menos alocar serviços públicos em instituições privadas”, pontua.

A discussão da reforma de Temer está desde 2019 no âmbito do Conselho Nacional da Educação (CNE) e é também acompanhada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal. As entidades, movimentos e representantes agora ficam atentos ao governo Bolsonaro que confirma o mesmo interesse de Temer por repassar investimentos públicos às iniciativas privadas.

“O MP está atento porque, apesar de ser um governo eleito e ter a caneta para fazer as mudanças que são legítimas que o Executivo faça, eles não podem tudo, não podem escrever de novo a Constituição Federal e muito menos achar que têm o direito de ferir as normas maiores do país”, destaca a pesquisadora.


Fonte: https://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2020/02/atualizacao-politica-de-inclusao-interesses-economicos/

Visão: Política de Bolsonaro para pessoas com deficiência retrocede 30 anos, critica ativista Mariana Rosa do Coletivo Helen Keller

RETROCESSO E SEGREGAÇÃO

Governo Bolsonaro retoma classes especializadas, o que “valoriza a segregação”. Política lançada nesta semana atende mais os interesses econômicos do que os direitos humanos

Por Redação RBA    Publicado 02/10/2020 - 12h50   Arquivo EBC

 

 


"Ao invés da gente valorizar o que cada um é, a gente está tentando enquadrar, moldar pelos meios de processos terapêuticos. Não é esse o lugar da escola", adverte ativista sobre a PNEE 2020

Foto: https://respeitarepreciso.org.br/ativista-pela-inclusao-escolar-conheca-mariana-rosa-mae-da-alice/


São Paulo – A política do governo Jair Bolsonaro para pessoas com deficiência retrocede 30 anos, afirma a ativista do coletivo Helen Keller, Mariana Rosa. Lançada na quarta-feira (30) pelo governo, a nova Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE 2020) tem recebido críticas por parte de diversas entidades que lutam pelos direitos das pessoas com deficiência. Instituída em decreto n° 10.502 assinado pelo presidente, a PNEE 2020 pode abrir margem para que as escolas regulares adotem uma postura discriminatória. Um dos objetivos da proposta é ampliar o atendimento educacional especializado, ou seja, espaços isolados para estudantes com deficiência. 

A medida viola a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, assinada por 160 países, em 2007, incluindo o Brasil. Além de ferir o Decreto 6.949 de agosto de 2009, que deu à Convenção força de lei. E passa por cima da Lei de Brasileira de Inclusão, como elenca a ativista pelo direito à inclusão e integrante do coletivo Helen Keller, Mariana Rosa em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual. 

O texto do decreto determina que as famílias poderão escolher em que instituição de ensino a criança pode estudar. Estabelecendo desde escolas regulares inclusivas, às especiais ou bilíngue de surdos. Mas, na prática, essa escolha tende a não existir, como explica Mariana. 

Segregando e excluindo

“Você teria uma escolha se a gente tivesse um investimento sistemático e importante na qualificação da educação, dos professores, de sua remuneração, na gestão democrática das escolas, na acessibilidade, nos recursos. Aí a escola estaria muito boa, a escola pública, regular, estaria boa o suficiente e a gente poderia escolher. Agora, uma vez que existe o projeto de desmonte da escola pública, que o que estava previsto na Política Nacional de Educação Especial, na perspectiva da educação inclusiva, que também tem 12 anos, não foi cumprido totalmente, então nós vamos escolher o quê? Nós nem fizemos o dever de casa, de implantar o que estava previsto por essa política lá atrás. Estamos decidindo dar um passo 30 anos atrás, sem que a gente tenha avançado a ponto de poder escolher”, contesta a ativista. 

Envolvendo os ministérios da Educação e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a proposta não garantiu o mesmo espaço às instituições que representam as pessoas com deficiência. E foi tomada “sem qualquer respaldo democrático”, como frisa Mariana.

Mãe de uma criança com deficiência, a ativista pode afirmar que “a sociedade e educação brasileira têm muito mais experiência em segregar, excluir do que incluir”. Mariana conta que, mesmo com a vigência da PNEE desde 2008, ao menos seis escolas negaram uma matrícula à sua filha. A prática, antes contraria à lei, agora ganha brecha por conta do decreto de Bolsonaro. 

“Você imagina que a escola podendo dizer ‘olha, não estou preparado, vai para essa escola especial que lá eles podem’. É claro que ela vai ser conduzida para uma escola especial. Então, é uma falácia a gente falar que vai ter escolha, não vai ter escolha, nunca foi sobre isso”, aponta. 

Escola é para ser escola

De acordo com a ativista, é a inclusão das pessoas com deficiência que fica em risco. Ela, por exemplo, “que seria talvez uma família clássica que encaminharia a filha para a escola especializada, porque minha filha tem grande nível de dependência. Ela não anda, não fala, precisa de apoio para todas as atividades cotidianas, não é muito óbvia a maneira como ela constrói o conhecimento e se comunica”, como relata, mesmo assim fez questão de matricular a criança em uma escola regular, porque é a instituição, como garante, “que tem que melhorar”. 

“Eu quero que ela esteja na escola regular, e que essa escola pública, gratuita, laica e de qualidade esteja à altura dela”, destaca. “A escola que tem que melhorar e não retroceder, piorar, lotear a educação e segregar as pessoas. O que vamos aprender com isso como sociedade? Que temos que apartar alguns tipos de diferença? É isso que a gente quer?”, questiona Mariana. 

“Essa é jogada que valoriza o processo de segregação, que é inclusive, até hoje pelo menos, inconstitucional, além de ser imoral, discriminatório, capacitista e violador de direitos”, ressalta. A nova política fica agora a cargo dos entes federados, que podem escolher de forma voluntária se vão aderir ou não. Aos que escolherem, o governo Bolsonaro já declarou que dará incentivos. Sem a devida valorização da escola pública, a opção da PNEE saltará aos olhos, preveem as entidades. 

Interesses econômicos

Esse cenário já havia sido advertido pela RBA quando, em reportagem no início do ano, a pesquisadora Meire Cavalcante, da Faculdade de Educação e do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), alertava que o governo Bolsonaro daria continuidade ao desmonte do PNEE iniciado ainda na gestão de Michel Temer. À época, já destacava a pesquisadora, que o que estava em jogo era o interesse de determinadas instituições “que se beneficiam da segregação de seres humanos e de classes especiais economicamente”. 

Mariana concorda. “Tem muitas misturas aí e no final das contas não é sobre direitos humanos, os direitos da pessoa com deficiência. É sobre interesse econômico”, garante. 

A sociedade que queremos

“Eu compreendo as famílias de crianças com deficiência que encontrem respaldo e apoio nas instituições especializadas, porque lá, as crianças e jovens têm atendimento de fonoaudiologia, de fisioterapia e terapia ocupacional. Mas a escola tem que ter o lugar de escola. Ela é o lugar de ensinar e de aprender. Se gente substituir isso por uma vivência terapêutica, a gente está passando uma mensagem para a sociedade de que as pessoas com deficiência não aprendem, de que na verdade elas precisam ser tratadas para que possam performar dentro de um determinado padrão que foi estabelecido”, adverte a ativista e integrante do coletivo Helen Keller. 

“Em vez da gente valorizar o que cada um é, a gente está tentando enquadrar, moldar pelos meios de processos terapêuticos. Não é esse o lugar da escola, o lugar da escola é de valorizar a diferença, de aprender e conviver com ela. E para fazer o tratamento terapêutico, que é importante, a gente recorre ao SUS (Sistema Único de Saúde) e ao SUAS (Sistema Único de Assistência Social)”, finaliza na Rádio Brasil Atual. Mesmo com o decreto, os ativistas, entidades comprometidas e as pessoas com deficiência continuam na resistência frente a esse processo.

 

Visão: Política de educação especial de Bolsonaro tem por trás ‘disputa de recursos por escolas’ por Izabel Rodrigues

EXCLUSÃO POR INTERESSE?

Crítica às classes especializadas é da psicóloga Isabel Rodrigues. Movimentos de pessoas com deficiência se articulam pela revogação de decreto

Redação RBA   Publicado 13/10/2020 - 12h02
Dênio Simões/Ag. Brasília     Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima




Escolas devem "proporcionar a aprendizagem das crianças com deficiência com as crianças sem deficiência no mesmo espaço", afirma Isabel


São Paulo – Para a psicóloga, pedagoga e doutoranda em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Isabel Rodrigues, a nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE), apresentada pelo governo Jair Bolsonaro para estudantes com deficiência, tem por trás “uma disputa por recursos” entre “instituições segregadoras que são nomeadas como escolas especiais”. Publicada em decreto (nº 10.502) no final de setembro, a medida é vista como uma ameaça à educação inclusiva, prevista em lei desde 2009. 

Em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, Isabel, que é também assessora do Instituto Vladimir Herzog (IVH), destaca que a nova política extingue a ideia de educação inclusiva ao propor que classes especializadas conduzam a aprendizagem de estudantes com deficiência. O que, na prática, são espaços institucionais à parte da escola regular, onde essas pessoas não vão ter seus direitos garantidos.

“Não tenho dúvida de que uma das intenções seja destinar parte dos recursos a instituições que antes recebiam pela via da saúde, da assistência social e da educação os recursos para existirem. E a partir de 2008, com a proposta da educação inclusiva, elas perderam grande parte do recurso da educação. Desde então há algum tipo de pressão para se retornar a um nível de financiamento”, afirma a psicóloga e pedagoga. 

Articulação

Conforme reportado pela RBA, desde que foi anunciada pelo presidente, a medida é alvo de inúmeras críticas de entidades e movimentos das pessoas com deficiência. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, há ao menos seis projetos de decreto legislativo (PDL) que pedem sua suspensão. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) também apresentou o PDL 437 no Legislativo para sustar os efeitos do decreto. 

Em paralelo, os ministérios públicos de São Paulo e Paraná também destacam que a nova PNEE é inconstitucional. E representa um retrocesso do ponto de vista legal. Isso porque há uma “confusão” entre a oferta do direito à educação com a oferta do direito à educação especializada. O que reduz a participação das pessoas com deficiência na educação. Na prática, a medida de Bolsonaro está longe de garantir o acesso à educação regular ao propor como modalidade de ensino as chamadas classes especializadas.

De acordo com Isabel, devido à pressão contrária ao decreto, movimentos e entidades já conseguiram um requerimento de urgência para votação na Câmara. “Agora é necessário que o (presidente da Câmara) Rodrigo Maia paute e o decreto seja revogado”, comenta. Pelas redes sociais, apoiadores também emplacam hashtag #EscolaEspecialNãoÉInclusiva

Contra as barreiras

“A gente sabe pelo histórico dessas instituições que as características que elas desenvolvem estão mais localizadas no campo da saúde do que da educação. Essas instituições tiveram seu papel histórico na época em que não existiam políticas públicas de acesso e garantia de direitos dessa população”, observa a psicóloga e pedagoga sobre o período anterior ao decreto 6.949 de 2009. A medida foi a que deu força de lei à Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, assinada por 160 países dois anos antes. 

“A partir de convenção, ratificada no Brasil com status constitucional desde 2009, ela procura garantir uma mudança de perspectiva de um modelo médico, que localizava a deficiência no corpo da pessoa, para um modelo social. Então deficiência não é algo que a pessoa sofre ou porta. Ela está localizada no encontro da pessoa com a sociedade. A sociedade promove barreiras para essas pessoas. A pessoa que é usuária de cadeiras de rodas e não encontra rampas pela cidade, ela vai estar mais excluída do que uma pessoa que mora numa cidade em que a acessibilidade está garantida em todos os prédios. Da mesma forma é a escola”, compara Isabel, reforçando a importância da inclusão na escola regular.

“Ofertar a produção de recursos de acessibilidade, romper com barreiras que possam existir e proporcionar a aprendizagem dessas crianças com deficiência com as crianças sem deficiência no mesmo espaço”, finaliza.



Visão: Procuradora Regional da República Eugênia Gonzaga, mãe de uma pessoa com deficiência, se manifesta sobre o Decreto No. 10.502

 ENTREVISTA (OBS. na reportagem há o vídeo da entrevista indisponível! Censurado?)

Reportagem site Rede Brasil Atual

Eugênia Gonzaga: ‘Uma escola que não seja inclusiva não é escola, não é completa’

De acordo com Eugênia Gonzaga, o acesso de toda criança ao ambiente escolar e à coletividade é a única forma de preparo para a cidadania e o desenvolvimento

A inclusão de estudantes com deficiência é um desafio que escolas, pais e as próprias crianças enfrentam diariamente. Além de espaço adequado e profissionais capacitados, é necessário levar em conta que esses estudantes têm direito a educação como todos. Agora, a polêmica está instalada. Um decreto presidencial institui a Política Nacional de Educação Especial (PNEE), que flexibiliza a obrigatoriedade da inclusão de crianças com deficiência nas escolas. A medida pode causar uma exclusão ainda maior dessa parcela da população infantil. Educadores dizem que a nova medida é um passo atrás nas conquistas que pautam a inclusão. A procuradora regional da República Eugênia Gonzaga fala sobre os impactos desse decreto como instrumento de maior exclusão das crianças com deficiência.

De acordo com Eugênia, que tem um filho com Síndrome de Down, a Constituição de 1988 garante não apenas o direito à educação a todas as crianças, mas a “educação formal, em ambiente escolar, que pressupõe a coletividade. “Essa é a única forma de preparo da criança para a cidadania e o pleno desenvolvimento”, afirma. “Uma escola que não seja inclusiva não é escola, não é completa. Tanto a escola que não recebe pessoa com deficiência, como aquela escola que só recebe pessoa com deficiência são ambientes distorcidos da realidade.”

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Fonte: https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2020/10/eugenia-gonzaga-entrevista-educacao-inclusiva/

 


quinta-feira, 22 de outubro de 2020

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS recomenda a revogação do Decreto nº 10.502

 

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

SCS - B - Quadra 09 - Lote C - Edifício Parque Cidade Corporate,

Torre A Brasília, DF. CEP 70308-200.

hps://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/parcipacao-social/conselhonacional-de-direitos-humanos-cndh/conselho-nacional-direitos-humanos

 

RECOMENDAÇÃO Nº 15, DE 19 DE OUTUBRO DE 2020

Recomenda a revogação do Decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020, que institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida

 

O CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS - CNDH, órgão autônomo, no uso de suas atribuições previstas na Lei nº 12.986, de 02 de junho de 2014, tendo em vista especialmente o disposto no argo 4°, inciso IV, o qual lhe confere competência para expedir recomendações a endades públicas e privadas envolvidas com a proteção dos direitos humanos, no sendo de dar cumprimento à deliberação tomada por maioria em sua 10ª Reunião Extraordinária, realizada nos dias 16 e 19 de outubro de 2020:

CONSIDERANDO que, por meio do Decreto Presidencial nº 10.502, de 30 de setembro de 2020, publicado no Diário Oficial da União de 1º de outubro de 2020, Seção 1, Página 6, se instui Políca Nacional de Educação Especial: Equitava, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida, pretendendo substituir a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, sem deliberação do Conselho Nacional de Educação e do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência;

CONSIDERANDO que o referido decreto pretende instaurar mudanças substantivas nos princípios, na organização e no financiamento da educação especial brasileira sem diálogo com os conhecimentos científicos produzidos na área, nem com as/os profissionais da educação pública e privada ou com os movimentos sociais de pessoas com deficiência;

CONSIDERANDO que a propositura de uma mudança de tal monta na políca de Educação Especial, realizada por meio de um decreto presidencial, desrespeita toda a história de lutas e conquistas pela garantia dos direitos à educação das pessoas com deficiência no Brasil, buscando restaurar concepções e estruturas obsoletas de organização da oferta de educação escolar no Brasil, intensificando desigualdades e reforçando preconceitos e discriminações;

CONSIDERANDO que o decreto presidencial, a despeito das qualificações condas na denominação da política (Equitativa e Inclusiva), estimula mecanismos de segregação de estudantes em classes e instituições segregadas, sob o argumento de garantia de direito de escolha de famílias, fragilizando a efetividade dos direitos humanos das pessoas com deficiência, bem como o direito de todas as crianças e adolescentes à educação escolar, na rede regular de ensino;

CONSIDERANDO que a Constituição Federal, por seus artigos 1º, inciso III; 3º, inciso IV; 5º, caput; 205 e 208, inciso III, o Decreto 6.949/2009 e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, por seus Argos 3º e 24, impõem o dever de assegurar sistema educacional inclusivo em todos os níveis; CONSIDERANDO que o incentivo a estruturas segregadas de ensino, como classes e escolas especiais, contraria a meta 4 do 4º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas, de “Construir e melhorar instalações físicas para educação, apropriadas para crianças e sensíveis às deficiências e ao gênero e que proporcionem ambientes de aprendizagem seguros, não violentos, inclusivos e eficazes para todos”;

CONSIDERANDO que é dever da família, do Estado e da sociedade garantir todos os direitos fundamentais de crianças e adolescentes da maneira mais ampla e irrestrita, não estando ao alvedrio das famílias, do Estado e da sociedade a criação e manutenção, nem a escolha por mecanismos de atendimento que limitam o direito de igualdade de acesso aos serviços públicos, em especial à escola regular, e de convivência comunitária;

CONSIDERANDO o artigo 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e assinada pelo Brasil na mesma data, que estabelece o direito de toda pessoa de participar da condução das políticas públicas de seu país;

CONSIDERANDO o artigo 25 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, promulgado no Brasil pelo Decreto n. 592, de 6 de julho de 1992, que garante o direito a todo cidadão de participar da condução dos assuntos públicos de seu país;

CONSIDERANDO os artigos 12 e 23, parágrafo 1º., da Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo Decreto Nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, assegurando à criança que esver capacitada a formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e maturidade da criança, bem como estabelecendo à criança com deficiência o direito de desfrutar de uma vida plena e decente em condições que garantam sua dignidade, favoreçam sua autonomia e facilitem sua participação ativa na comunidade;

CONSIDERANDO que o artigo 4º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada no Brasil pelo Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009, e que tem caráter de emenda constitucional, estabelece que, na elaboração e implementação de legislação e políticas para aplicar a Convenção e em outros processos de tomada de decisão relativos às pessoas com deficiência, os Estados Partes realizarão consultas estreitas e envolverão ativamente pessoas com deficiência, inclusive crianças com deficiência, por intermédio de suas organizações representavas;

CONSIDERANDO o Comentário Geral nº 7 do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU), publicado em 9 de novembro de 2018, que aprofundou, detalhou e realizou recomendações aos países membros sobre a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em especial focando na garantia e efetividade da participação social tanto na formulação, implementação, fiscalização e avaliação das políticas públicas pelas pessoas com deficiência e suas organizações representavas;

RECOMENDA:

1. Ao Presidente da República que revogue o Decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020, estabelecendo, no caso de pretender uma revisão da política pública de educação especial, mecanismos prévios de debate e consulta pública, com ampla participação social na construção de eventual revisão, considerando a produção científica da área de conhecimento, as reivindicações da sociedade civil organizada e sem deixar de observar os princípios de direitos humanos já conquistados, no caso em tela, o direito de matrícula em classes comuns de escolas regulares e o direito à diversidade de processos, recursos e profissionais que configuram o atendimento educacional especializado, a ser ofertado preferencialmente na rede regular de ensino.

2. Esta Recomendação entra em vigor na data de sua assinatura.

 RENAN VINICIUS SOTTO MAYOR DE OLIVEIRA Presidente Conselho Nacional dos Direitos Humanos Documento assinado eletronicamente por Renan Vinicius Sotto Mayor de Oliveira, Presidente, em 21/10/2020, às 17:08, conforme o § 1º do art. 6º e art. 10 do Decreto nº 8.539/2015.

Fonte:

https://www.facebook.com/conselhodedireitoshumanos/

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Nova política nacional de educação especial: avanço ou retrocesso?

 Por REDAÇÃO PÁTIO 5 de outubro de 2020


O governo federal lançou, na semana passada, a nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE). O decreto permite que mais de 1,3 milhão de estudantes com deficiência, transtornos do desenvolvimento, como autismo, e altas habilidades frequentem salas e escolas especiais – sob argumento de que, nesses contextos, eles terão atendimento especializado, conforme suas necessidades.

Para o governo, a nova política é um avanço.

“Equitativa e inclusiva ao longo da vida, a PNEE representa um passo significativo desse governo rumo a um país mais justo e com igualdade de oportunidades”, disse a primeira-dama Michelle Bolsonaro, que ocupa a posição de presidente do Conselho do Programa Pátria Voluntária.

Para parte dos educadores, a medida é um retrocesso.

“Em uma sociedade moderna, isso é inconcebível, é querer separar pessoas em caixinhas. Temos que trabalhar nas barreiras que impedem essa pessoa de ter acesso e participação no mundo e não em acentuar suas diferenças”, disse a coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped) da Unicamp, Maria Teresa Mantoan, segundo o jornal O Estado de S. Paulo.

A nova PNEE substitui a Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008. Esta, que coloca a escola comum no centro do processo de inclusão, foi a ação responsável pelo aumento das matrículas dos estudantes especiais – chegando a 1,3 milhão na educação básica.

Embora alinhada com as convenções nacionais e internacionais de inclusão, a política de 2008 entrou em revisão ainda em 2017, no governo Michel Temer. Bolsonaro continuou o processo, alegando necessidade de atualizar a política de educação especial em relação à legislação em vigor.

“Um dos princípios norteadores desta política nacional é a valorização das singularidades e do direito do estudante e das famílias no processo de decisão sobre a alternativa mais adequada para o atendimento educacional especializado”, afirmou o ministro da Educação, Milton Ribeiro.

De acordo com o texto, a adesão por estados e municípios à PNEE será voluntária.

Decreto da PNEE pode ser derrubado

Para Régis Henrique dos Reis Silva, que é professor da Unicamp e doutor em filosofia e história da educação, a PNEE retoma práticas implementadas no Brasil nos anos 1970 e 1980 – e que foram abolidas para dar espaço à inclusão de todos os alunos.

“Não é uma ruptura, mas a diferença é o modo como isso vai ser organizado e estruturado. Além disso, chama atenção a responsabilidade que o documento dá para a decisão das famílias, delega a escolha para elas”, analisou ele, segundo o portal G1.

A Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Rede-In), composta por 20 entidades da sociedade civil, manifestou “intenso repúdio” ao Decreto n° 10.502/2020.

“É inaceitável que, por meio de Decreto Presidencial, sem qualquer legitimidade democrática, se dê um retrocesso de mais de 30 anos de luta pela inclusão e diversidade” diz a nota da Rede-In, publicada no site do Instituto Rodrigo Mendes.

Segundo o Estadão, diversas entidades da sociedade civil estão se organizando para entrar na Justiça contra a nova Política Nacional de Educação Especial. A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) também informou, via Twitter, que ingressou com um projeto para tentar barrar o decreto do Executivo.

 Fonte: https://desafiosdaeducacao.grupoa.com.br/nova-politica-nacional-de-educacao-especial/ 

Manifestação do Grupo de Estudos sobre Educação Especial - GEEP/CED/UFSC pela revogação do Decreto nº 10.502


GRUPO DE ESTUDOS SOBRE EDUCAÇÃO ESPECIAL - GEEP/CED/UFSC

Manifestação do Grupo de Estudos sobre Educação Especial - GEEP/CED/UFSC pela revogação do Decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020, que institui a Política Nacional de Educação Especial: equitativa, inclusiva e com aprendizado ao longo da vida

 

O Grupo de Estudos sobre Educação Especial (GEEP), vinculado ao Centro de Ciências da Educação (CED) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e demais setores da UFSC e da FAED/UDESC que subscrevem esse documento, manifestam-se pela revogação do Decreto n.º 10.502, de 30 de setembro de 2020, que instituiu a Política Nacional de Educação Especial: equitativa, inclusiva e com aprendizado ao longo da vida.

Considerando:

1. O descumprimento das seguintes normativas: Constituição Federal (1988); Decreto N.º 6.949, que promulga a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2009); Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996); Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (2015), que reconhecem o direito da pessoa com deficiência à educação sem discriminação e segregação;

2. A violação do direito da pessoa com deficiência, assegurado constitucionalmente, ao viabilizar e legitimar formatos educacionais restritos, segregados.

Repudiamos a forma autoritária que constituiu a formulação do Decreto nº 10.502/2020, marcada por um processo antidemocrático, sem transparência, cuja promulgação culminou na sua assinatura sumária.

Consideramos que o Decreto n.º 10.502/2020 objetiva tratar de questões de gestão do sistema educacional a fim de atender aos interesses de determinados grupos da Sociedade Civil que disputam, historicamente, os recursos do fundo público para a educação especial. Ao mesmo tempo representa uma afronta aos direitos sociais, enfatizando uma política educacional segregacionista, excludente e classificatória.

Analisamos que com esse Decreto a educação pública, de modo geral, perde financiamento, qualidade, acessibilidade e autonomia. Perde igualmente a possibilidade de investimento na formação humana com fundamento histórico-social, uma vez que legitima o modelo biomédico como base da organização escolar.

Compreendemos que uma formação para a emancipação humana só é possível no espaço do Ensino Regular, na escola pública laica, estatal, de qualidade socialmente referenciada para todos os estudantes.

Nessa perspectiva, reafirmamos nossa luta em prol da Educação Especial escolar, que ocorra na escola regular, local onde, contraditoriamente, a classe trabalhadora tem potencial acesso ao conhecimento historicamente acumulado pela humanidade.

Ressaltamos a importância da luta coletiva para resistir ao processo de desmonte da Educação pública brasileira dentre os direitos sociais conquistados pela classe trabalhadora, particularmente em relação aos estudantes da Educação Especial.

Diante disso, manifestamos nossa posição pela revogação do Decreto n.º 10.502/2020.

Florianópolis, 13 de outubro de 2020.

Subscrevem essa manifestação:

Associação de Pais e Professores do Colégio de Aplicação da UFSC

Colégio de Aplicação da UFSC

Coordenadoria de Acessibilidade Educacional – CAE/UFSC

Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho – GEPETO/CED/UFSC

Instituto Memória e Direitos Humanos – IDMH/UFSC

Núcleo de Apoio Pedagógico e Estudantil – NUAPE/FAED/UDESC

Núcleo de Desenvolvimento Infantil – NDI/CED/UFSC

Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Violências – NUVIC/UFSC

Territórios da Educação Especial e Tecnologias para Inclusão em Sociedade – TEETIS – IFC - Camboríu



Fonte: https://ced.ufsc.br/2020/10/15/nota-grupo-de-estudos-sobre-educacao-especial-geepcedufsc/

sábado, 17 de outubro de 2020

O Conselho Nacional de Saúde defende a educação inclusiva e se posiciona contra o Decreto No. 10.502/2020

 

CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE

 RECOMENDAÇÃO Nº 066, DE 13 DE OUTUBRO DE 2020.

Recomenda ações que visam a garantia do acesso à educação inclusiva

de todas as pessoas, sem segregação,

e medidas contrárias ao Decreto n° 10.502/2020.

 

O Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pelo Regimento Interno do CNS e garantidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006; cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata; e

Considerando que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196 prevê que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”;

Considerando que a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, disciplina, em seu Art. 3º, que “Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”;

Considerando a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 30 de janeiro de 2020, em decorrência da Doença por Coronavírus – COVID-19 (decorrente do SARS-CoV-2, novo Coronavírus);

Considerando a Portaria nº 188, de 03 de fevereiro de 2020, do Ministério da Saúde, que declara Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), conforme Decreto nº 7.616, de 17 de novembro de 2011, em decorrência da Doença por Coronavírus – COVID-19 (decorrente do SARSCoV-2, novo Coronavírus);

Considerando as Recomendações do Conselho Nacional de Saúde n° 19/2020 e 31/2020 que, por meio de sua Comissão Intersetorial de Atenção à Saúde das Pessoas com Deficiência (CIASPD/CNS), recomenda medidas que visam a garantia dos direitos e da proteção social de pessoas com deficiência e seus familiares;

Considerando o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990); Considerando a Declaração Mundial de Educação (1990), assinada por 150 países, incluindo o Brasil, que adotou como princípio básico o direito de toda pessoa à educação, bem como a importância de satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem;

Considerando os artigos 3º e 6º, da Declaração Mundial de Educação, que defendem a “universalização do acesso à educação e promoção da equidade” e que “a escola deve proporcionar um ambiente adequado para a aprendizagem e não o aluno que deve se adequar a ela”;

Considerando tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário, como a Declaração de Salamanca (1994), a Convenção da Guatemala (1999) e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2009), que abordam, respectivamente, que todas as pessoas tem direito ao acesso à educação, sem distinção, com aprimoramento dos sistemas de ensino para que se tornem ambientes inclusivos; com vistas a eliminar as discriminações contra as pessoas com deficiência, extingue o termo “especial” para diferenciações nas escolas baseadas nas deficiências; e, que para efetivar o direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida;

Considerando que até meados dos anos 2000, pessoas com deficiência eram isoladas em suas casas, muitas eram encaminhadas a hospitais psiquiátricos, ou estavam em escolas ditas “especiais”, e só podiam ser matriculadas em turmas ditas “comuns” quando fossem consideradas “prontas” a acompanharem seus colegas nas atividades em explícita postura de exclusão e invisibilização pelo Estado, com graves e negativas repercussões para toda a sociedade brasileira;

Considerando a Lei n° 10.436, de 24 de abril de 2002, que legitima a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como língua nacional e língua materna de toda pessoa surda, regulamentada pelo Decreto n° 5.626, de 22 de dezembro de 2005; Considerando a Lei n° 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista;

Considerando a Lei Brasileira da Inclusão - LBI (Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015), em especial seu artigo 4° §1º, que define “discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas”;

Considerando o objetivo 3 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades e o objetivo 4 de assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos, que em sua meta 4.3 traz como um dos indicadores a percentagem de alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento matriculados em classes comuns na rede regular de ensino;

Considerando o Comentário Geral n° 7 emitido pelo ONU (2018) sobre as pessoas com deficiência, que sustenta sua participação em todas as questões que dizem respeito a elas (“nada sobre nós sem nós”);

Considerando a Carta Convocação do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (LEPED-Unicamp), o posicionamento da Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Rede-In), da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos (AMPID), do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e Nota Manifesto da Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais (ABRATO);

Considerando as diretrizes e moções aprovadas na 16ª Conferência Nacional de Saúde (8ª + 8), publicadas por meio da Resolução CNS nº 617, de 23 de agosto de 2019;

Considerando que o Decreto n° 10.502, de 30 de setembro de 2020, traz em seu escopo o risco de retrocessos na política de inclusão de pessoas com deficiência nos espaços escolares regulares, por meio do estímulo à criação de espaços segregados ditos "especializados", com a justificativa de autonomia da família em decidir pelo serviço que teoricamente melhor atenda à questão, desconsiderando que a Política Nacional de Educação Especial requer apoio, investimento e intersetorialidade, principalmente da União, e se refere ao direito fundamental do acesso à educação de pessoas com deficiência; Considerando os debates ocorridos sobre essa matéria na Comissão Intersetorial de Atenção à Saúde das Pessoas com Deficiência do Conselho Nacional de Saúde (CIASPD/CNS);

e Considerando as atribuições conferidas ao presidente do Conselho Nacional de Saúde pela Resolução CNS nº 407, de 12 de setembro de 2008, Art. 13, Inciso VI, que lhe possibilita decidir, ad referendum, acerca de assuntos emergenciais, quando houver impossibilidade de consulta ao Plenário, submetendo o seu ato à deliberação do Pleno em reunião subsequente.

Recomenda ad referendum do Pleno do Conselho Nacional de Saúde: Ao Presidente da Câmara de Deputados: Que, nos limites de suas competências legais e regimentais, coloque em regime de urgência a votação dos Projetos de Decreto Legislativo - PDL 427/2020, 429/2020, 430/2020, 431/2020, 433/2020, 434/2020, 435/2020, 426/2020, para sustação da aplicação do Decreto n° 10.502, de 30 de setembro de 2020.

Às Entidades e Movimentos Nacionais de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência:

·       Que, pelas razões e legislações expostas nesta recomendação, ingressem com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) em face do Decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ao Supremo Tribunal Federal (STF):

 

·       Que acolha a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 751, de 05 de outubro de 2020, com pedido de medida liminar, ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade. Ao Ministério da Educação (MEC):

 

·       Que apoie tecnicamente e disponibilize recursos para infraestrutura e educação permanente de profissionais no Distrito Federal, Estados e Municípios, assim também das ações de monitoramento, acompanhamento e discussão junto à sociedade, sobretudo, com os movimentos e as entidades das pessoas com deficiência e suas famílias, acerca do cumprimento de diretrizes e metas de inclusão de todas as pessoas na educação. Ao Ministério Público (Federal e Estaduais) e à Defensoria Pública (da União e Estaduais):

 

·       Que acompanhem o cumprimento da garantia constitucional do direito ao acesso à educação, com inclusão de todas as pessoas, sem segregação, especialmente no que se refere à obrigatoriedade da União em prestar apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino de Estados, Municípios e do Distrito Federal.

 

FERNANDO ZASSO PIGATTO

Presidente do Conselho Nacional de Saúde

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Sem debate amplo, o presidente Jair Bolsonaro instituiu a nova Política Nacional de Educação Especial, segundo a ANFOP


ANFOP - ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES DA UFOP - SEÇÃO SINDICAL 



Nova Política Nacional de Educação Especial segrega crianças com deficiência

Sem debate amplo, o presidente Jair Bolsonaro instituiu a nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE): Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Lançada na última quarta-feira (30), em Brasília (DF), a política é considerada um grande retrocesso por diversas entidades que lutam e apoiam os direitos das pessoas com deficiência no país. 

A proposta foi elaborada pelos ministérios da Educação e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e consta no Decreto 10.502/20, publicado no Diário Oficial da União (DOU) de quinta-feira (1º). 

A PNEE incentiva que haja classes e escolas especiais para crianças com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, e altas habilidades ou superdotação. A previsão de escolas especiais, voltadas apenas a alunos com deficiência, já é algo superado desde 2008 na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), que preconizava a matrícula em turmas regulares, com apoio complementar especializado dependendo de cada caso. 

De acordo com dados do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Ensino e Diferença (Leped), da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), nos últimos 12 anos famílias e educadores matricularam mais de 1 milhão de estudantes da educação especial nas escolas comuns, o que representa 87% de taxa de inclusão. O Brasil tem cerca de 1,2 milhão alunos na Educação Básica com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades, segundo dados do Censo Escolar 2019. 

Em manifesto, a Leped afirmou que esse decreto prevê a volta da terceirização da educação especial, desviando recursos públicos para instituições privadas, em detrimento da continuidade e da ampliação dos investimentos na escola pública comum.  

O decreto ainda representa um retrocesso à concepção de inclusão escolar como direito humano e viola a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI).  O artigo 28 incube ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar o sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida e aprimorar os sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena, entre outros. 

Segundo Adriana Dalagassa, coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas de Classe para as Questões Etnicorraciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) do ANDES-SN, a nova política do governo de Jair Bolsonaro é um retrocesso aos direitos das pessoas com deficiência e está na contramão da LBI, além de isentar o Estado de garantir uma educação pública, gratuita, acessível e de qualidade. “Não é a criança ou adolescente que precisa se adequar, mas sim a escola. É preciso investir em acessibilidade física e atitudinal, na educação continuada dos professores, em uma equipe de apoio que possa fazer uma consultoria. É direito da família ter uma escola e uma política pública adequadas para o seu filho”, disse. 

Outro ponto criticado do Plano Nacional de Educação Especial é a participação de equipe multidisciplinar no processo de decisão da família ou do educando quanto à alternativa educacional mais adequada.  Para Adriana Dalagassa, a possibilidade de uma equipe auxiliar na decisão é um retrocesso ao modelo biomédico de avaliação, que deve ser biopsicossocial. “Ao indicar essa possibilidade, o decreto abre uma brecha ao modelo biomédico e sabemos que muitas famílias irão escutar o que a equipe multidisciplinar disser e não terão uma escolha por si só”. 

Ainda no lançamento do PNEE, Milton Ribeiro, ministro da Educação, afirmou ser um direito do estudante e das famílias a “decisão sobre a alternativa mais adequada para o atendimento educacional”. De acordo com a diretora do ANDES-SN, o direito de escolha não é o de retornar às escolas e classes especiais, mas o de garantir os direitos da população no processo educacional. "O que o governo chama de oportunidade de escolha, nós chamamos de segregação e capacitismo. Não é uma escolha, é a retirada de direitos da educação inclusiva”, afirmou.

Veja aqui o Decreto 10.502/20 - Política Nacional de Educação Especial (PNEE)

Fonte: ANDES-SN

Fonte: https://www.adufop.org.br/post/nova-pol%C3%ADtica-nacional-de-educa%C3%A7%C3%A3o-especial-segrega-crian%C3%A7as-com-defici%C3%AAncia